domingo, 4 de novembro de 2012

SÓ QUANDO NÃO HAVIA OUTRA



1983
Eu andava pelos sebos de livros, examinava como os preços eram marcados para depois aumentá-los! Explico essa lógica aparentemente absurda. Com preços mais altos a chance de serem vendidos diminuia. E era uma operação simples. Cada loja tinha um jeito mas o padrão era o mesmo. O da Rua São José marcava no alto da contracapa com lápis 6B. Já o da Rua da Assembléia marcava na última página do miolo, embaixo e centralizado com lápis 2B. Todas as manhãs eu percorria um circuito praticamente fixo: São José, Assembléia, Primeiro de Março e Ouvidor. Em cada um deles eu lia um livro, de pé, em frente as estantes, só algumas páginas por dia. O objetivo do pequeno quase-estelionato era desestimular a venda por algum tempo, o suficiente para conseguir terminar a leitura. E funcionava quase sempre. Quando dava sorte e havia livros iguais em mais de um sebo a coisa toda andava mais rápido. Senão eram quatro livros diferentes mesmo. Eu variava os estilos para não ficar enfadonho. Algumas vezes era difícil fazer a combinação. A prosa complexa de Faulkner, por exemplo, exigia escolhas mais amenas para complementá-la: um romance policial básico, alguma antologia poética, uma coletânea de contos de ficção científica.
Desde que Julio fechou a loja, um pouco depois da morte de dona Ermínia, não consegui mais encontrar um emprego que tivesse horários compatíveis com o da escola. Estava próximo de prestar vestibular e além de ir às aulas, precisava de tempo para estudar.
Na faculdade, os horários ficaram ainda piores. Comecei então a dar aulas particulares de inglês para não ter que voltar a depender dos meus pais, quer dizer, da minha mãe, já que meu pai agora gastava seu parco dinheiro adquirindo itens para sua recém-começada coleção de bolachas de cerveja.
Minhas despesas eram baixas mas não havia margem para excessos. Comprar livros? Só quando não havia outra escolha. Com tantas palavras acumuladas, comprar LPs passou a ser minha prioridade absoluta.

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