quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

À FLOR


Muitas vezes, quando saio de casa cedinho, ainda no carro, acabo me emocionando enquanto escuto uma determinada música: "Last Goodbye" do Jeff Buckley ou "Beautiful" do Marilion são figurinhas fáceis.







A da hora é "Ara Bátur" do Sigur Rós.



Dizem que vivo à flor da pele mas quem pode garantir?

Difícil é disfarçar a cara de choro.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

NÃO CONFUNDA ANDREW BIRD COM ANGRY BIRDS



O que faltou aqui, no maravilhoso post do meu amigo Evandro, sobre a nossa antológica caça ao pássaro recluso (tímido sim, mas nada zangado)?
Nada, creio.

Se Andrew Bird nos brindou com um show capaz de resistir aos tempos, nossa aventura (ainda lembro do Ev dizendo enquanto corríamos: "mesmo se não for ele, essa história terá seu valor") já está eternizada em nossas memórias.


Esse bis energético (ainda que mal gravado) diz tudo!

domingo, 24 de fevereiro de 2013

DEZ ANINHOS


Meu novo, mas já querido, amigo Banks me oferece três dedos de um Laphroaig de dez aninhos. Single malt dos bons, coisa muito fina. Mesmo assim recuso. Desde o revés fiscal da semana passada tenho evitado a bebida. 
À rigor, bebo para comemorar. As raras vezes em que fraquejo são "pontos fora da curva", como diriam meus amigos estatísiticos. 
Aliás, sabe-se que 97,6% das pessoas que bebem o fazem para festejar. Encontar um bêbado que tomou o primeiro trago para "esquecer" é tão difícil quanto ser atingido por um raio. Mas encontrar um que começou a noitada radiante e a terminou com tendências suicidas é tão fácil quanto receber uma ligação de telemarketing.
Banks não quer saber de divagações e ameaça se fechar. Desculpo me e prometo dar-lhe atenção.
Ainda sóbrio sou capaz de causar estragos.

RUÍNAS


Atrás do mato alto vislumbro aquele velho mirante em ruínas. A visão não é nova para mim. Por que diabos então nunca tinha ido até lá? 


No sábado, quando saí para levar o cachorro preto para passear (tks, Churchill) finalmente desviei do meu caminho e fui investigar.


A surpresa não poderia ter sido maior. No lugar ainda resistem azulejos do tempo do império, há inclusive um painel de tirar o fôlego (mas terrivelmente danificado). 



Mesmo com o abandono de pelo menos cinquenta anos (segundo um vizinho da área) dá para saborear os sinais do seu passado glorioso. 



Pela grande quantidade de penas espalhadas por todo o local percebo que aquele gavião que vi voando do telhado quando cheguei é o dono da área há bastante tempo. Sortudo!




Faltam vidros, há pixações mas mesmo isso não diluiu em nada o impacto desse achado.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

LONGE É O CEARÁ, O RESTO É SÓ DISTANTE






Saí para dar uma volta e passei pelo mercado. Só as lojas do térreo e os escritórios da sobreloja estavam abertos àquela hora. Zanzei cumprimentando conhecidos e acabei no bar do outro lado da rua. O balconista era meu xará e servia sozinho aos muitos taxistas que almoçavam.
"Tudo bem? Tá perdido, tá?", perguntou enquanto recolhia três pratos e umas tantas travessas de alumínio com restos de feijão, macarrão e galinha ensopada. Eu gostava do seu sotaque nordestino e do jeito de terminar quase todas as frases com uma indagação.
Pedi uma soda limonada e respondi desanimado "Estou só dando uma volta".
"Xi, o menino tá com problemas, é? Aposto que é moça bonita bagunçando a cabeça." Falou alto mas ninguém estava interessado. As conversas sempre eram sobre defeitos nos carros ou então histórias de passageiros.
Sem graça respondi "Mais ou menos. Sabe quando você quer ajudar uma pessoa de quem você gosta muito mas não sabe como?"
"Deixa de bestagem. É só ficar por perto que você acaba ajudando."
Um dos taxistas que havia pedido três pastéis para viagem recomendou: "Embrulha bem que eu vou para longe."
"Vai pro Ceará, vai? Longe é o Ceará, o resto é só distante."
O taxista riu e disse "Embrulha bem que eu estou indo para um lugar distante."
Paguei a soda e agradeci o conselho.
Então era isso, era só ficar por perto.
Voltei pela rua em frente à igreja, primeiro andando rápido e depois correndo. Cheguei em cinco minutos. Ofegante e sem saber o que iria dizer, toquei a campainha. 




O ENGANO




Doroteia passou mal numa tarde de domingo, os pratos do almoço ainda na mesa. Derrame? Infarto? A família estava dividida. O filho mais velho se desesperava com a demora da assistência, enquanto a caçula calmamente entretinha os filhos e sobrinhos no seu antigo quarto. Aos oitenta, Doroteia suava frio e falava coisas desconexas. Enfim a ambulância chegou mas não houve jeito da maca fazer a curva no corredor apertado. Alguém sugeriu "Vamos colocá-la num colchão e levá-la até a sala". Ainda desnorteada, Doroteia abriu os olhos e gritou "Em um caixão não!" Cinco minutos depois pôs-se de pé, recusou-se a ir até o hospital fazer exames e, sem nenhuma outra indisposição, viveu até os noventa e dois.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

EM PALAVRAS





Ainda reverbera a quentura de seus lábios
que ardiam, imensos,
mais ainda do que o braseiro
daquelas tardes de verão.
Em palavras nunca fui
aquilo que você esperava de mim.
O que era mesmo?
Não se dê ao trabalho.
Ainda reverbera a aspereza do que foi dito,
omitido, esquecido.
Perdido.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

SERÁ?


The Milkman Never Rings Twice, de Viesturs Links


Será que realmente pareço uma criança
quando esfrego os olhos com os nós dos dedos?
Ou será apenas sua imaginação
que vê um garoto desprotegido
quando estou só dormindo
com as mãos unidas sob o travesseiro?

É porque acordo, constantemente, 
em pesadelos,
apavorado, 
e a abraço forte demais?

É que desde menino,
sempre tive medo das sombras,
dos movimentos que os faróis dos carros projetavam no teto do quarto.
Abominava persianas. 
Lamentava me pela alergia que proibia as cortinas.
Só ia dormir,
quando o sono era imenso.
Se acordava, a qualquer hora,
não tentava mais.

Pareço uma criança quando me empolgo
com meus novos brinquedos?
É porque quero ver sempre o mesmo filme?
Talvez seja porque uso demais diminutivos,
invento nomes, 
apelidos que são quase gemidos.

Volta e meia retorno àquela conversa sobre um gato,
tão legal ter um gato, deixa que eu cuido,
prometo que você não vai ter trabalho.

Mas quando a toco
e me descontrolo de tanta excitação
é que finalmente aceito essa minha mutação.
Reconheço aquele menino saliente
que não sabia nada dessas coisas
mentia aos colegas da escola que, é claro, 
também mentiam.

Pela casa a sigo.
Arfando
mergulho em seu decote
para redescobrir que já o conheço tão bem.

Como minha falta de jeito a diverte!
Ri, quer saber por que só agora.
Enquanto docemente me beija a boca,
furtiva, abre um botão da minha camisa,
e olho no olho diz
que eu sou seu homem,
mas também seu menino.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

ESPERA

El Amor, de Marc-André M.


Vivo na prisão chamada tempo 
em abomináveis pesadelos morro
quisesse Deus apressava seus ponteiros,
atendia minha prece, vinha em meu socorro.

Segundos tardam como um ano
faço de tudo mas não adianta
na hora cheia sinto um alívio
desta espera que me faz insano.

Mas eis que a desejada hora se aproxima
onde fazemos pouco da existência
e os nossos corpos se expandem ao infinito.

Aí, como se quisesse que soframos
o tempo corre, abrevia nosso encontro
e se revela o inimigo mais maldito.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

CANTILENA

El Matemático, de Rocío Caballero

Meu coração me comanda
meus caminhos decide,
sigo seu mapa,
me perco,
mas jamais questiono.

Meu coração me escraviza,
sou servo de suas vontades.
Atendo a seus menores caprichos
sem discutir sentido ou lógica.

Meu coração é meu dono
e sempre que pode demonstra
quem manda e obedeço
como a mais dócil criança.

Meu coração exige provas
de minha total devoção.
Ordena que eu seja
um machado que desce
e não perdoa o jacarandá centenário.

Até  mesmo meu orgulhoso coração
sofre, no entanto, por outro,
que mais esperto, disfarça
fingindo que não sabe.

Então, eu que servia a um,
agora,
tenho dois a obedecer.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

AQUILO ERA A VIDA


1899
Doña Pepa e Dom Vicente Caruso chegaram à Argentina em 1899, num navio lotado. Na bagagem, esperança. Na Itália, deixaram a fome e a certeza de que em breve haveria guerra. Viajaram com seus quatro filhos, todos varões, mas em alguns meses Doña Pepa daria à luz a uma linda menina de cabelos muito escuros que seria batizada com o nome de sua avó materna, Ermínia.
Dom Vicente era um homem de modos absolutamente simples, que acreditava que viver era sinônimo de trabalhar. Na mesma hora em que desembarcou, descobriu que estavam contratando estivadores para descarregar o navio e assim, Doña Pepa seguiu com seus meninos, gravidez e baús até a casa dos tios que tinham imigrado nos anos anteriores. Como não conhecia a cidade e além disso o endereço que tinha estava incompleto, levou duas horas perambulando. O menorzinho, de apenas dois anos, começou sendo carregado pelos irmãos, mas ao final, nem eles podiam mais, e a mãe assumiu. Quando finalmente chegaram, se abraçaram e choraram de tanta dor e alegria, como se tivessem cruzado o próprio Atlântico a nado. Mas em poucos minutos já estavam desfazendo as malas, instalando-se no quarto onde morariam juntos pelos próximos anos.
No fim do dia, a volta triunfante de Dom Vicente. Cansado, mas vitorioso, trazendo como troféus salames, sacadura, tomates e duas garrafas de vinho. Ofertou aos tios que o haviam acolhido. Ficaram todos orgulhosos, ainda mais quando ele contou que lá no porto, disseram-lhe para voltar no dia seguinte. Trabalho.
A casa tinha oito quartos. E uma copa onde todos faziam as refeições. Também a cozinha e o banheiro eram compartilhados. Em cada quarto viviam famílias inteiras e, se eram todos parentes de alguma forma, também eram estranhos, a maioria nunca tinha se visto antes. As mulheres cozinhavam juntas, todavia cada uma cuidava da roupa e da arrumação dos seus quartos. Todas opinavam na educação das crianças e aplicavam castigos fossem em seus filhos ou não. A rígida moral católica aliada à ignorância daqueles imigrantes transformava os meninos em trabalhadores brutos mas cordatos antes dos seis anos e as meninas em esposas obedientes e mães devotadas tão logo menstruassem.
O reveillon de 1900 foi marcante para toda aquela legião de despatriados. Ele teve um sentido especial para aquela família. Pela primeira vez, em muito tempo, se sentiram com futuro. Deram uma festa na qual o filho mais velho ficou noivo de uma moça da vizinhança, filha de um açougueiro. Ermínia não chorou quando houve o foguetório. Seu pai se sentia particularmente realizado. Num determinado momento, tomou-a no colo, enfiou o dedo no vinho que bebia e passou nos lábios do bebê que fez uma incrível careta. Todos riram. Aquilo era a vida.