sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

ALGO SOBRE LÍNGUAS LUTANDO ESPADAS


1981

algo sobre línguas lutando espadas

Aos quinze anos, eu era inseguro, recluso, agressivo, meio sujo, um adolescente bem típico. Escondido atrás do cabelo que crescia enchendo em  vez de ficar comprido; roupas pretas mesmo no pior calor de verão. E era tão calado que meus colegas de turma, no primeiro científico, apostavam, todos os dias, quantas vezes eu iria abrir a boca para falar qualquer coisa. Como muitas vezes, discutiram sobre quem apostaria no um ou mesmo no zero, acabaram limitando que até cinco poderiam escolher o mesmo número e o dinheiro seria rateado entre os vencedores. A escolha era por ordem de chegada.
Havia um menino, o melhor aluno da classe, que quase nunca apostava porque não tinha dinheiro nem para a passagem de ônibus. Dava tanto calote que os fiscais dos pontos próximos à escola e os trocadores estavam de olho nele, prontinhos para dar-lhe uma surra. Ele precisava pegar ônibus onde não era conhecido, mas que não serviam, e depois outros para poder chegar em casa com segurança. Era um sujeito legal, não implicava com ninguém, então um dia quando subíamos as escadas em direção à sala de aula eu sussurrei para ele: “-Aposta no seis”. Ele falou ”-O quê? “mas eu já tinha acelerado o passo. Na hora das apostas ele ainda não tinha entendido e ficou de fora. Quando ele percebeu já era tarde demais. Neste dia eu falei seis vezes e ninguém ganhou ( a maior aposta tinha sido no três). Ao final da aula ele disse ”Obrigado”, mas eu estava zangado e respondi mostrando os dentes “- Não fala nunca mais comigo, seu CDF imbecil.” Ele não falou, e também nunca mais apostou.
Meus professores viviam sempre tentando me arrancar repostas, “estimulando-me a participar”. Um dia, durante um desses interrogatórios, acuado pelas perguntas em sequência e pelas risadinhas dos outros alunos, corri do fundo da sala, pulei sobre o professor de física, derrubando-o no chão. Comecei a berrar “- Pára, pára, pára !”. Ele ficou imóvel pelo susto, enquanto eu, descontrolado, batia-lhe no peito. A turma também não reagiu, foi preciso que os professores das outras salas viessem me conter. Meus pais foram chamados à direção. “-Não é caso para expulsão, o rapaz está passando pelas transformações da adolescência, sim estresse, vocês pensam que é só coisa de adultos, não! Acontece muito nessa idade. Nossa política é de ajudar. Só precisamos saber se ele teve algum problema de nervos antes”. Mas é claro, deram toda razão ao professor que exigiu que eu fosse encaminhado a um psicólogo. Meu interesse pelas matérias também não ajudava a compor uma figura sociável e acabei suspenso por uma  semana. Quando voltei  ninguém me perguntava mais nada, até os colegas evitavam se aproximar, as apostas pararam. Pelas costas eu era a encarnação daquele ditado que diz que quando você não serve para mais nada começa a servir de mau exemplo. Duas vezes por semana, como um bandido em liberdade condicional, eu deveria chegar mais cedo e me apresentar ao Serviço de Orientação Escolar para conversar com a supervisora. Na primeira vez ela explicou que tentaria estabelecer um vínculo, e ficou conversando sobre meus gostos, sobre o que eu fazia nas horas vagas. Não era feia nem bonita, nem nova nem velha, nem esperta nem estúpida. Eu até poderia ter gostado de estar ali, mas à medida que novos alunos com seus novos problemas começaram a aparecer, passou a me dar uns textos para ler e responder um questionário ao final. O primeiro fiz direitinho, mas desconfiado que ela não teria tempo de ler mesmo, passei a começar as frases corretamente e terminá-las sem sentido, algo como “Para alcançar nossos objetivos devemos comprar bananas e para fumar devemos vender baunilha no elefante azul.” Um dia, ela avisou que eu não precisava mais ir, “-Mas prometa que não vai arranjar mais encrencas”, “-Pode deixar, obrigado”.
Mesmo que tivessem dinheiro para pagar, meus pais não sabiam a diferença entre um psicólogo e um psiquiatra e tinham tanto medo de descobrir que não tentaram e, como ninguém na escola tinha tempo de acompanhar, o assunto foi esquecido.
Na semana seguinte, comecei a colar pelos pilotis da escola, escondido de todos, meu primeiro jornal. Era cheio de observações ácidas e espirituosas sobre a direção do colégio, professores, colegas. A coordenação tentou descobrir o autor, mas eu era esperto o suficiente para parecer tão idiota que meu nome não constava na lista de suspeitos.
Eu fazia cópias numa papelaria longe do colégio, para não levantar suspeitas. Num dia, enquanto esperava pelas cópias do número dezoito, cujo assunto principal eram as ligações obscuras entre a direção e a ditadura militar, como isso fazia que professores apadrinhados entrassem sem concurso, alguém deu dois toques com as pontas dos dedos no meu ombro e disse “-Então é você ! Eu até desconfiava”. Virei desconcertado e reconheci Claudia, uma menina de outra turma que gostava de Kiss e Van Halen, enquanto a maioria só queria saber de Air Supply e Kim Carnes. Eu a admirava por isso.
“Oi. Então agora acabou”, falei mostrando meu desapontamento por ter sido pego.
“Não! Eu gosto muito, juro que não vou contar a ninguém. Posso até te ajudar a espalhar. Você está sabendo que o bedel tem chamado os piores alunos e sugerindo que alguns pontos podem ser conquistados por aquele que entregar quem faz o jornal?
“Sei. Ele já me chamou.”
“Desculpe, não quis ofender.”
“Não tem problema.”
Na minha conta, Claudia foi a centésima quadragésima terceira menina pela qual me apaixonei à primeira vista e a ducentésima septuagésima quinta, contando todas as vistas.
“Ok.”
“Cara, as cópias estão prontas”, avisou o rapaz da papelaria. Peguei um papelzinho com a quantidade de cópias e fui até o caixa para pagar. Senti que ela me acompanhava com os olhos, e fiquei com vergonha. Eu precisava falar mais alguma coisa mas não sabia o quê. Alguma coisa que fizesse ela simpatizar mais comigo. Contava o troco e pensava, pensava, pensava, não podia ficar ali, moedas nas mãos, para sempre. Dividi as cópias em duas partes e perguntei “Você tem certeza de que quer fazer isso? É arriscado.”
“Quero muito. E não tenho medo”.
Aí, eu tive uma ideia.  Tão boa que até desconfiei que nem era minha. Disse, “Claudia, eu estava pensando, já há algumas semanas, em incluir uns resumos sobre discos de rock, quem sabe, se você estiver a fim, claro, pode dizer se não quiser, uma coisa não tem nada a ver com a outra, eu vou entender. Bem é o seguinte: estou convidando você para escrever esses comentários.” Ela ia me achar um imbecil, quase gaguejei, não tenho jeito mesmo. Mas, ao contrário do que poderia esperar, ela abriu um imenso sorriso (me apaixonei por ela pela segunda vez em cinco minutos), “Claro que eu quero”, disse tão alto que a caixa olhou para nós. Aproximou seu rosto do meu e me deu um beijo na boca. Não na boca, mas metade na boca metade no rosto. Rápido como um relâmpago. Fiquei arrepiado, então era isso que se sentia quando se beijava? Peguei no seu braço com a mão que não estava com os jornais, mas de repente eles caíram da outra mão e então a segurei com as duas. Desta vez, fui eu que me aproximei. Abri a boca mas não fechei os olhos com medo de errar e encostei minha boca nos seus lábios que se abriram ao toque. Há anos eu sabia o que era um beijo na teoria, tinha estudado os movimentos, observado milhares deles nos filmes, nas novelas e espiando as outras pessoas, mas, literalmente, o que eu sabia era da boca pra fora. O que deveria acontecer dentro eu só fazia ideia. Desde os nove anos eu perguntava. Primeiro ao meu irmão, depois ao Rick, ao Gil, até o Quati já tinha conseguido, mas ninguém nunca me explicou direito, algo sobre línguas lutando espadas. Então movi a minha até encontrar a dela (achei também um dente). Sim, o arrepio era real, só que mais forte. Por sorte, ela não abriu os olhos durante, então quando acabou fechei os meus rapidamente. Estava de pau duro e isso pareceu tão natural, nada a ver com o que sentia quando dançava de rostinho colado, coxa na coxa, e saía sem jeito, como se tivesse cometido um delito. Ela sorriu mais uma vez, nos abaixamos para catar os papéis (eu tinha me apaixonado pela terceira vez em seis minutos e trinta segundos, um recorde).
“Claudia, a gente podia conversar mais tarde sobre as resenhas? Hoje depois da aula?”, perguntei enquanto saíamos.
“Não, acho que não.“
“Só um papo rápido, a gente senta por aí, toma uma cerveja.”
 “Frank, eu já tenho namorado.”
“Eu também”. Queria falar alguma coisa inteligente, alguma coisa não inteligente, qualquer coisa, mais não vinha nada, só saiu essa mentira descarada.
 “Tchau Frank, a gente se fala no colégio , tá?”,
“Eu não falo no colégio. Sobre nada”.
“Xiiii, é mesmo, tinha esquecido! A galera lá da turma te chama de Frankenstein.”
“O criador ou a criatura?”
“A criatura, eu acho.”
“É que elas não sabem que quando o Doutor Victor criou o monstro, acabou sendo recriado por ele também. Isso faz de ambos, criadores e criaturas. Mas, nem tente explicar isso para eles porque eles são meio tapados, vão levar semanas para entender.”
“Você é mesmo esquisito.”
“Isso foi um elogio?”
“É, pode considerar como elogio.” E abriu outro sorriso.
Atravessei a rua para esperar o ônibus. Nem fazia ideia do que tinha dado certo ou errado.
Ela foi caminhando por baixo da marquise, para fugir do calor.
Pelo menos eu tinha beijado.

ONCE A LIFETIME


Poesia não se explica
Se o faz então não é
(pode ser um manual, relatório ou memorando).
Como explicar que considero nossa
uma música que ouço agora
e que provavelmente você nem conhece?
Ou como entender aquilo que meus olhos
mesmo fechados vêem?

Uma vez na vida a gente deixa de lado
a prosa do dia a dia.
Uma vez na vida a gente é verso.
O que me cabe é sem rima, estilo ou métrica.
Mesmo assim é bastante.
Uma vez na vida.

domingo, 23 de dezembro de 2012

TALVEZ

Heart Surgery de Douglas Ross


Depois de uns poucos sins e muitos nãos ela entendeu que na vida nada é mais definitivo do que um talvez. Nada aprisiona tanto, nada paralisa mais. Enquanto  sim ou não nos faz seguir em frente ou mudar de direção, o talvez nos deixa indefinidamente em compasso de espera. 
Ela deixou sua casa, apenas com a roupa do corpo, sem levar o celular ou seus documentos. Não deixou bilhete. Jamais telefonou.
Tomou um ônibus na rodoviária para uma cidade distante mil quilômetros da sua. Com o dinheiro que economizou por quase um ano alugou um  quarto de pensão. Uma semana depois já tinha um emprego de doméstica: casa, comida, salário. Exatamente como planejara. Vida nova. 
Vida!
Foi preciso fugir. Era isso ou então matá-lo. Não suportaria vê-lo preso, caso o denunciasse pelas surras que tomava nas madrugadas de sexta, quando ele chegava transtornado de cachaça e cocaína. 
A dúvida do que lhe aconteceu é o castigo dele. Gosta de imaginá-lo perguntando-se se um dia ela voltará. Talvez. 

HAPPY FAMILY


Vejo famílias saindo do cinema
completas e completamente felizes.
Será que foi o filme?

Vejo famílias saindo da galeria
de mãos dadas e andar seguro.
Será que foram as compras de natal?

Vejo famílias saindo de férias,
carro do ano cheio de malas.
Será que não esqueceram nada?

Vejo famílias saindo,
e me desequilibro. Será inveja 
ou é só meu labirinto?

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

NÓS NUNCA TIVEMOS REVEILLON



No ano em que a conheci meu pai morreu, faltando cinco dias para o natal de forma que enquanto ela assistia os fogos pipocarem em Copacabana eu e meus irmãos assistíamos minha mãe, no pequeno apartamento do Rio Comprido.
Um ano depois ela estava fazendo MBA na Inglaterra.
Nos dois anos seguintes eu fiquei de plantão, na residência médica.
No outro ano demos azar. Voltando de um congresso, não consegui embarcar de volta para o Brasil por conta de uma nevasca nos EUA.
Quando nada mais parecia atrapalhar nosso primeira virada juntos acabamos rompendo, no antepenúltimo dia do ano.
Tivemos, natais, dias dos namorados, feriados de todos os tipos, férias na praia,...
Não, nós nunca tivemos Reveillon.

sábado, 15 de dezembro de 2012

RETROSPECTIVA (HAICAI DE FIM DE ANO)


Caveira do Palhaço, 
(plástico moldável,1989/2010), 
de Vik Muniz


As contas faço.
Só coisas tontas faço.
Faço de conta.



NUNCA MAIS



O amor é uma droga maravilhosa, e que muda nossa percepção das coisas. O que seria um absurdo é visto como a mais normal das atitudes, o que seria inaceitável passa a ser o padrão. E como qualquer droga tem efeitos colaterais: há quem perca o sono, o apetite, fique com a vista turva, os pensamentos mais ainda. O amor vicia, sua ausência provoca uma grave crise de abstinência. O amor entorpece, emburrece, muitas vezes nos aborrece. E não, o amor não tem cura. 
Ele sabia disso, mas apenas na teoria. E foi preciso um único beijo (ok, uma sequência de beijos que durou umas duas horas) para que tudo aquilo se abatesse sobre ele como uma catástrofe natural, um atentado terrorista, uma invasão alienígena. Naquela noite ele não dormiu, no dia seguinte não conseguiu estudar e nem ver televisão (o que foi considerado particularmente grave por sua mãe). Estava crescendo mas o principal da vida aprendera naquela tarde. Nunca mais seria o mesmo. Nunca mais visitaria Utopia, Shangri-La, Xanadu. Como a praia deserta onde se chega depois de um naufrágio, aquela tarde representara seu renascimento, e aquela boca, a fonte de água doce onde saciara sua sede de dezesseis anos.
Nunca mais veria a vida de forma tão inocente ou esperançosa. Nunca mais haveria outro beijo como aquele (Ah! E como ele procuraria). 
Nunca mais, nunca mais. 

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

FIXAÇÃO

(Morning Toilette, 1893, de Kuroda Seiki)

Obscena. 
Essa foto que vejo na tela
sinto-a bem ajustada na mão,
não nego.

Luz, orifício, fixação. 

Ah, essa minha fixação!
Será que é mesmo tua imagem, 
ou é impressão minha?
E se for só reflexo?
O que isso revela?
O que mais isso espelha
além do espelho no teto?

Ai, que cena! 
Essa lembrança que aperta,
    (sinto-a baixa)
as veias me destempera.

Espero, me esperas?


UMA TRADUÇÃO (SÓ QUE NÃO)


VULTURE (da banda norueguesa GAZPACHO)

I leave the gate and close the door
And when it rains it really pours

I left her a memory
And a boatman's song
Of how it ended before it had begun
Took a bite from the apple
Glistening red lips
Moonlight was golden shining off her hip
She said don't look back
Just come on in
You've got to hold on never give in

We're all here
Trying to be
Someone we know that
We'll never see.
We are all lost
We're down on our knees
Making believe
These are our dreams

The shadows lean on the old town square
There's nothing left to keep me here
Where promises are made of air
...

AR BRUTO

Há coisas que as casas escondem,
que guardam caladas.
Há coisas que as casas esquecem,
não acham mais,
perdem.

Há coisas que as paredes absorvem,
ou fazem-se de surdas.
Há coisas que as paredes refletem,
não dizem sim ou não, apenas
perdem.

Há coisas que as portas protegem,
os que ficam, os que saem.
Há coisas com as quais portas não podem
não suportam, simplesmente,
perdem.




quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

IN MY BOX

Simplesmente adoro bandas/artistas que lançaram apenas um disco. Sei lá, sinto que toda uma gama de fatores confluíram para que aquela obra fosse a síntese daquela inspiração/união. 
Os exemplos são muitos (entre o ABSURDO e o INFINITO) mas os mais significativos para mim são as/os bandas/artistas ARMAGEDDON (Armageddon, Inglaterra, 1975), JEFF BUCKLEY (Grace, Estados Unidos, 1994) e FAIRFIELD PARLOUR (From Home To Home, 1970). 

Ainda que os dois primeiros mereçam e terão posts dedicados à eles aqui, hoje vou falar sobre essa obra única e maravilhosa que é o álbum do Fairfield Parlour. "Única" nem é uma expressão exata porque os mesmos caras haviam lançado quatro álbuns com o nome de Kaleidoscope (não confundir com a banda americana de mesmo nome). Entretanto, esse disco tem uma natureza tão própria que acaba diferindo da obra anterior deles. 
Ao trocarem de nome tudo mudou!
Com uma sonoridade que remete intencionalmente (e declaradamente) aos Beatles, a banda liderada por Eddy Pumer e Peter Daltrey (autores de todas as canções, ok, eu sei que você pensou em Lennon e MacCartney) fizeram um misto de folk e classic rock da mais alta qualidade. Sempre que os ouço (e é sempre) lembro (além dos The Fab Four) do Pretty Things ou mesmo de uma das (melhores fases) do Fairport Convention.
"From Home To Home" traz algumas maravilhas como "Aries", "Soldier Of The Flesh" (link a seguir) e "Emily".


Além dessas, destaco (E MUITO!) a curtinha (tem exatos dois minutos), intensa e apenas aparentemente inocente "'In My Box":


In my box have lots of things
Like bicycles and bells and things,
And an old oak tree and you!
In my box have lots of things
Like buses, trams and trains and things
And a bust of King George and you!
In my...
In my box I get lost all the time
In box I get lost, but who cares?
Just pour the wine!
In my box have lots of things
Like mountains, ships and peas and things
And a Sunday School and you
In my...
In my box I get lost all the time
In box I get lost, but who cares?
Just pour the wine!
In my box I have lots of things
A broken heart and plate and dreams
And a photograph of me!
In my...
In my box I get lost all the time
In box I get lost, but who cares?
Just pour the wine!

(Nem precisa do google translation. Para entender de verdade talvez precise de outra coisa).

Esse álbum surpreende sempre quem o escuta pela primeira vez. A minha edição é de 2004, da (dedicada editora alemã) Repertorie, e traz OITO faixas bônus! 

Amo esse álbum do começo ao fim!

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

PHILIP ROTH SAI DE CENA



Há uns dois meses Philip Roth deu uma entrevista afirmando que não escreverá mais. Às vésperas de completar 80 anos, o autor de "O Animal Agonizante", "O Complexo de Portnoy", "A Marca Humana", "O Fantasma Sai de Cena", "Patrimônio", "Complô contra a América" dentre  outros considera que sua obra literária está terminada. Seu último romance foi mesmo Nêmesis. Eterno candidato ao Nobel de literatura, Roth merece ser lido por muitos motivos mas principalmente pela contundência com que constrói e destrói sem perdão seus personagens.

Destaco o trecho a seguir, do romance "Pastoral Americana",  publicado em 1997, considerado uma ferrenha crítica à América hipócrita e narcisista.



Combatemos nossa superficialidade, nossa falta de profundidade, de modo a tentarmos nos aproximar dos outros livres de expectativas irreais, sem uma sobrecarga de preconceitos, esperanças, arrogâncias, da fora menos parecida com o avanço de um tanque, sem canhão, sem metralhadoras e sem chapas de aço de quinze centímetros de espessura; a gente se aproxima das pessoas da forma menos ameaçadora, de pés descalços, em vez de vir rasgando o capim com as esteiras do trator, recebe o que elas dizem com a mente aberta, como iguais, de homem para homem, dizíamos antigamente, e mesmo assim a gente sempre acaba entendendo mal as pessoas. A gente também pode possuir o cérebro de um tanque. Já estamos entendendo errado as pessoas antes mesmo de encontrá-las, enquanto ainda estamos prevendo o que vai acontecer; entendemos errado enquanto estamos diante delas; e depois vamos para casa e contamos a alguém sobre o encontro, e de novo entendemos tudo errado. Uma vez que a mesma coisa acontece com os outros em relação a nós, tudo vira uma ilusão desnorteante, destituída de qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensões. E com tudo isso, o que é que vamos fazer a respeito dessa questão profundamente significativa que são as outras pessoas, que se vêem drenadas de toda a significação que julgamos ser a delas e adquirem, em vez disso, um significado burlesco, o que vamos fazer se estamos tão mal equipados para distinguir os movimentos interiores e os propósitos invisíveis uns dos outros? Será que todo mundo devia trancar a porta de casa e ficar quieto, isolado, como fazem os escritores solitários, em uma cela a prova de som. invocando as pessoas por meio de palavras e depois sugerindo que essas pessoas feitas de palavras estão mais próximas das coisas reais do que as pessoas reais que deturpamos todos os dias com a nossa ignorância? Persiste o fato de que entender direito as pessoas não é uma coisa própria da vida, nem um pouco, Viver é entender as pessoas errado, entendê-las errado, errado e errado, para depois reconsiderando tudo cuidadosamente, entender mais uma vez as pessoas errado. É assim que sabemos que estamos vivos: estando errados. Talvez a melhor coisa fosse esquecer se estamos certos ou errados a respeito das pessoas e simplesmente ir vivendo do jeito que der. Mas se você é capaz de fazer isso... bem, boa sorte.


OBRIGADO POR TUDO, PHILIP!


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

É PIU DIFFICILE ASPETTARE IN SILENZIO RUMOROSO DEL MARE.



    Contemplou a cidade do último degrau da escada que o levaria ao navio. O alaranjado daquela tarde pareceu-lhe brasa viva. O fluxo dos carros, com faróis recém acesos, era como lava espalhando-se lentamente. Mas era seu coração que ardia.
    Quando, oito meses antes, seus pais o convidaram para fazer esse cruzeiro ele não titubiou em aceitar. Os velhos eram boa companhia para alguém sossegado como ele. Dez dias pela costa do Rio, Espírito Santo e Bahia. E com mordomia! Quem não quer? Mas agora tudo mudara. Conhecera uma garota, dias antes na casa de um amigo, e não conseguia pensar em mais nada. Conversaram por horas, beberam juntos. Ela era legal, gostava de gatos, estudava letras. E era linda! Ela convidou-o para que passassem o reveillon juntos, na casa de uns tios, em Copacabana. Na hora dos fogos iriam à praia. Logo ele, que abominava multidões!
    Aos vinte e dois anos ainda não tinha tido uma namorada de verdade, morava com seus pais na mesma casa em que crescera. E trabalhava com seu pai na pequena corretora de seguros que herdaria algum dia. A verdade é que somente agora ele se preocupava em ser (ou não ser) aquele que seus amigos chamavam de "o velho". Nunca se importara de fato com o apelido que recebera por gostar apenas de filmes dos anos 60 e 70 (a melhor fase do cinema, dizia), de rock progressivo (música de uma galera que está com quase cinquenta ou mais. Mas quem liga?) e de clássicos da literatura do século XIX ou início do século XX. Enfim, o apelido não era tão inadequado. 
    No momento em que os demais passageiros (incluindo papai e mamãe) aglomeravam-se no convés esperando que a nave zarpasse ele escutava seu ipod na cabine da família. 
   De repente, uma música deu o sentido que ele tanto precisava.
   Quando seus pais chegaram ele já estava em terra firme.
   Um bilhete, com uma única frase, jazia sobre a pia e resumia tudo. Era um verso da canção que mudara tudo aquilo que até instantes atrás apenas gestava. 


É piu difficile aspettare in silenzio rumoroso del mare.


ANTES EU PUDESSE


    "Quis o destino" é uma das coisas que falo quando não estou pronto a admitir minha culpa nos acontecimentos. Por exemplo, para justificar aos amigos mais próximos o porque do meu casamento ter acabado. Mas não me engano, sei exatamente o que fiz para que ela me deixasse. Conheço muito bem minhas fraquezas de caráter, minhas pequenezas de temperamento, minhas mesquinharias no dia a dia. Dizem que reconhecer um erro é o primeiro passo para superá-lo. Bobagem! 
    Ainda bem que não tivemos filhos. A verdade é que foi por um triz. Ela engravidou mas acabamos optando por um aborto. Pressão minha, confesso. Não consigo me imaginar com um filho atando-me à esse mundo por mais tempo do que aquele que eu decida como o justo. Esse meu pensamento também contribuiu para que o amor que ela sentia por mim fosse minguando. Muita coisa contribuiu.
   Todo mundo sabe que os casamentos, de uma forma geral, são os grandes predadores do amor. A maioria dos contratos, quando dura é simplesmente porque funciona razoavelmente bem para as conveniências e convenções do dia a dia. Conheço um monte de gente casada que não discorda disso, pelo contrário, acha essa tese perfeitamente natural. Vivem bem assim, sem amor (ou quase) e sem grandes sofrimentos. Eu não conseguiria. Flores de plástico não morrem, como diz a música, mas de que adianta se não estão vivas?
    Ruth, que sempre foi mais esperta do que eu, me disse noutro dia: "Frank, eu até posso entender que você tenha escolhido viver tentando não amar novamente. Mas por que diabos você não aproveitou essa opção e largou para sempre essa sua obsessão pelo amor?" Não respondi mas pensei: "Antes eu pudesse! Antes eu não o tivesse vivido. Antes eu não o tivesse sentido na sua forma mais profunda, aguda, crua. 
Crua.
Antes eu não o tivesse visto na sua abundância e generosidade. Antes eu não o tivesse conhecido na sua versão total, absoluta e incondicional."

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A HISTÓRIA DO AMOR


Um romance repleto, complexo, completo. Assim é  "A História do Amor" da escritora americana Nicole Krauss. O li em 2006, logo após ser lançado e nunca pude esquecê-lo. Com uma  destreza ímpar e muita sensibilidade, Nicole entrelaça vidas aparentemente distantes no tempo e no espaço.
Um livro que a medida que fui chegando ao fim comecei inconscientemente a frear a leitura  para não "perder o contato" com aqueles personagens.

Uma amostra da beleza da prosa da moça (quando ela lançou o livro tinha apenas 31 anos):


De cor não é uma expressão que uso com desprendimento.
Meu coração é fraco e indigno de confiança. Minha partida será por causa do meu coração. Procuro sobrecarregá-lo o mínimo possível. Se alguma coisa vai representar um impacto, eu a desvio para outro lugar. Para o meu intestino, por exemplo, ou para os meus pulmões, que podem se deter por um instante mas nunca deixaram de dar mais uma respirada. Quando passo por um espelho e me surpreendo num relance, ou se estou no ponto de ônibus e alguns garotos surgem atrás de mim e dizem: Quem está com cheiro de merda?, essas pequenas humilhações cotidianas eu, de modo geral, assimilo no fígado. Outros estragos absorvo em outros lugares. O pâncreas eu guardo para ser atingido por tudo o que foi perdido. É verdade que são muitas coisas, e o órgão é muito pequeno. Porém. Você se surpreenderia de saber quanto ele é capaz de suportar, tudo o que sinto é uma dor aguda, momentânea, e depois acaba. Às vezes imagino minha própria autópsia. Desapontamento comigo mesmo: rim direito. Desapontamento dos outros comigo: rim esquerdo. Fracassos pessoais: kishkes. Não quero dar a impressão de que fiz disso uma ciência. Não é tão bem pensado. Assimilo a coisa onde ela aparece. Acontece que percebo certos padrões. O anoitecer, antes que eu esteja pronto, porque os relógios foram atrasados, sinto, por razões que não consigo explicar, nos meus pulsos. E, quando acordo e os dedos estão enrijecidos, eu quase certamente sonhava com a infância. O terreno onde costumávamos brincar, o terreno onde tudo se descobriu e onde tudo era possível. (Nós corríamos tanto que achávamos que íamos cuspir sangue: para mim, esse é o som da infância, respiração difícil e sapatos esmagando a terra dura.) Rigidez nos dedos é o sonho da infância como ele voltou no final da minha vida. Tenho de corrê-los sob água quente, com vapor embaçando o espelho, lá fora o arrulho de pombos. Ontem vi um homem chutando um cachorro, e a sensação se alojou atrás dos meus olhos. Não sei que nome dar a ele, ao lugar antes das lágrimas. A dor de esquecer: na espinha. A dor de lembrar: na espinha. Todas as vezes em que de repente eu me dava conta de que meus pais estavam mortos, e, ainda hoje, me surpreende que eu exista no mundo se os que me fizeram deixaram de existir: meus joelhos requerem meio tubo de Ben-Gay e uma grande produção só para se dobrarem. Para tudo, o seu tempo, para cada vez que acordei e cometi o erro de acreditar por um instante que alguém dormia a meu lado: uma hemorróida. Solidão: não há órgão que possa suportá-la inteira.


 Nicole Krauss na época do lançamento do livro


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

DA SÉRIE: ÁLBUNS QUE AMO SEM MAIS NEM PORQUÊ



Não é nem de longe o mais conceituado (apesar de ser bem conceitual). Dizem que nem pode ser considerado um álbum da banda já que o projeto é todo do Roger Waters. Eu não me importo. O que sei é que THE FINAL CUT (1983) marcou minha adolescência, com sua história bem contada, suas belas melodias, com Waters cantando de forma sofrida (o trabalho é dedicado ao pai dele, morto na segunda grande guerra).
Para mim é o post-scriptum perfeito para o The Wall (com o qual se assemelha em vários momentos).

Jamais vou esquecer, na segunda vez que Waters veio ao Brasil, quando tocou The Flecher Memorial Home. A maioria do público na Praça da Apoteose não sabia nem do que se tratava enquanto eu e um punhado de emocionados amigos gritávamos abraçados, a todo pulmão, "Boom boom, bang bang, lie down you're dead".

Pergunte a cem fãs do Floyd quais seus álbuns favoritos da banda e esse não aparecerá na lista nem de cinco deles. Mas na minha está! Por quê? De verdade, a gente precisa mesmo racionalizar os motivos para amar alguma coisa?


(O que é esse solo do Gilmour?)


domingo, 2 de dezembro de 2012

JULIO


Há exatos doze anos perdi meu irmão, e melhor amigo, Julio.
Hoje não haverá poesia.
Hoje não há mesmo um post. É só desabafo mesmo.


(Na foto acima ele aparece paramentado com as cores do seu time de coração, River Plate.
Por conta de um jogo, Boca e River nós ficamos um (maldito) ano brigados. O ser humano é estúpido mesmo. Bem, eu fui).


Só pra deixar claro: sofre mais aquele que fica.