sexta-feira, 12 de abril de 2013

DONA TERESA


Devo me descobrir a noite,
deixar que os flocos de neve
derretam em meu peito?

Sim, sonho com nevascas,

ventanias, enxurradas.
quando pesadelo são pelas cruezas das ruas e do noticiário.

Ela me lambe a cara, me arranha.
Relutante, abro os olhos, e sem saída
acompanho seu andar malicioso 
que enche o apartamento e a madrugada.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

TREINADO



Ele se lembra vagamente dos fatos: o fim do seu casamento, a mulher e os filhos o deixando; a perda do emprego de escriturário. Nunca conseguiu precisar se o exagero na bebida fora a causa ou a consequência.
A primeira noite dormiu sentado num banco da rodoviária mas logo acabou preferindo as marquises do Centro.
Por vezes, amigos dos velhos tempos tentaram ajudá-lo mas ele estava zangado demais com o mundo para resistir à tanta autopiedade destrutiva.
Em certa ocasião um pastor conseguiu levá-lo para um abrigo: cama limpa, sopa quente e orações edificantes. Mas ele  não estava pronto para ser salvo.
Foram mais de quinze anos arrastando carrinhos de supermercado repletos de tralhas inúteis, revirando latas de lixo em busca de alguma coisa que prestasse, implorando por cigarros fumados além da metade, bebendo as sobras quaisquer das garrafas alheias.
Alguns cães o acompanharam nessa jornada. Todos tiveram finais infelizes que o martirizaram mais do que sua própria condição.
Numa noite, dormindo sobre caixas de papelão, num ponto de ônibus da zona norte, foi atacado por neonazistas. Chutado, surrado, espancado.  Foram-se os poucos dentes que restavam; fraturas do maxilar e de cinco costelas. No hospital virou notícia internacional e acabou apadrinhado por uma ONG de direitos humanos. Quatro meses depois, quando saiu, estava limpo e assim continuou. Hoje trabalha na própria ONG ajudando a tirar das ruas, perdidos como ele mesmo já esteve. 
Ninguém que o conheça agora pode imaginar que esse apresentável senhor de meia idade já esteve do outro lado.
Já se passaram dezoito anos.
Os hábitos ruins seriam apenas parte da sua história se todos os dias, seu olhar treinado na angústia e na necessidade não insistisse ao vasculhar a sarjeta atrás de uma moeda perdida ou de uma guimba de cigarro pisada.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

ABRIL É O MAIS CRUEL DOS MESES



Há muitas coisas impossíveis. Uma delas é entrar em abril sem que eu me lembre dos versos iniciais de A TERRA DESOLADA de T. S. Eliot. 

Na tradução de Ivan Junqueira 

Abril é o mais cruel dos meses, germina
Lilases da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva
Agônicas raízes com a chuva da primavera.
O inverno nos agasalhava, envolvendo
A terra em neve deslembrada, nutrindo
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida.
O verão; nos surpreendeu, caindo do Starnbergersee
Com um aguaceiro. Paramos junto aos pórticos
E ao sol caminhamos pelas aléias de Hofgarten,
Tomamos café, e por uma hora conversamos.



Por ser um dos poemas mais famosos do mundo (na já distante virada para o terceiro milênio esse poema foi eleito o poema mais importante do século XX) imagino que leitores contumazes de poesia o conheçam então vou aproveitar a postagem para acrescentar uma parte dos QUATRO QUARTETOS, também de Eliot, um dos meus favoritos.


O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro,
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo o tempo é irredimível.
O que podia ter sido é uma abstracção
Permanecendo possibilidade perpétua
Apenas num mundo de especulação.
O que podia ter sido e o que foi
Tendem para um só fim, que é sempre presente.
Ecoam passos na memória
Ao longo do corredor que não seguimos
Em direcção à porta que nunca abrimos
Para o roseiral. As minhas palavres ecoam
Assim, no teu espirito.