sexta-feira, 30 de novembro de 2012

EM XEQUE ESTAMOS NÓS



Rosângela bateu na porta antes de entrar na sala: “Doutora Rebeca, o Danny já chegou para o atendimento. Peço para ela esperar cinco minutos antes de fazê-lo entrar. Não que eu precise repassar a ficha, como acontece com certos pacientes. Danny tem quinze anos e vem duas vezes por semana, há um ano. Na escola recomendaram um acompanhamento por causa da sua dispersão. É um menino como tantos outros. Problemático como tantos outros. Cheio de espinhas na cara, bermudas larguíssimas deixando a mostra a cueca, tênis enormes com cordões soltos. Viciado em jogos de computador, pode passar dezoito horas seguidas jogando em lan houses sem se ocupar do mundo exterior. A mãe veio aqui apenas na primeira vez. É representante de uma grande importadora de vinhos e azeites. Muito ocupada, como quase todas as mães. Quando entrou em seus sapatos de oitocentos dólares e discurso repleto de “eu isso , eu aquilo”, vi logo que ela precisava mais de terapia do que o filho. Mas isso não adiantava dizer. Então eu resolvi ajudar o menino no que fosse possível. Quem o traz é o motorista. É ele que também traz o cheque, todo final do mês. A mãe nunca ligou para saber como a terapia do filho está evoluindo.
Ele gosta de estar aqui, de ter alguém o escutando, duas horas inteiras por semana. Claro, há dias em que está insuportável, se esquece e mente sobre assuntos que já repassamos mais de uma vez. De uma forma geral, é apenas um menino carente. O pai vive viajando: São Paulo, Zurich e Tel Aviv. É executivo de um banco suíço. Esteve preso por vários meses, acusado de evasão de divisas num dos tantos escândalos políticos desse país que não deram em nada. Mas isso não atingiu tanto o menino quanto a vez em que, para separar uma briga entre ele e o irmão mais novo, o pai afundou a cabeça dos dois na água do mar, em uma praia em Búzios. Ele tinha uns oito anos e o irmão seis. Até hoje ele tem horror só de pensar em ir à praia.
Preciso de cinco minutos para me concentrar. Ou para parar de me concentrar nos meus problemas.
Há quase um ano Clara não mora mais conosco. Quando voltou do hospital,  após a tentativa de suicídio, estava deprimida. Fomos nós mesmos que sugerimos que ela passasse uma temporada na casa de meus pais. A idéia era afastá-la do local onde tudo ocorreu e quiçá dos pensamentos sombrios. Foi com uma mochila mas no fim de semana seguinte mandou o motorista buscar praticamente tudo o que tinha no quarto. Ainda não sabemos porque ela fez o que fez. É como se ela nos culpasse. Quase não a vemos. Perdeu o ano na escola. Não liga mais para o computador, nem quer atender telefonemas das amigas de antes. Passa os dias lendo e escutando música. Está amável com os empregados da casa. Quase todas as noites, joga uma partida de xadrez com meu pai, depois do jantar. Ela não suportava o jogo. Meu pai conta que o jogo dela é atirado, que tem um prazer especial em dar o maior número de xeques por partida. Mesmo que não consiga ganhar.
Em xeque estamos nós.
Eu e Rick também nos afastamos, aliás ele se afastou de praticamente tudo. Vai ao escritório apenas uma ou duas vezes por mês para assinar cheques e conversar com os colaboradores que, praticamente, estão assumindo os negócios. O resto do tempo veleja, quase sempre sozinho.
Minha mãe diz que nunca viu Clara tão sossegada. Na sua opinião, isso indica que rapidamente ela vai superar tudo. Eu sei que são os remédios que o psiquiatra receitou que a mantém desse jeito.
“-Boa tarde, Danny. Sente-se por favor.”

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