quinta-feira, 23 de agosto de 2012

TALVEZ ANGUSTURA OU FERNET





No dia seguinte houve um churrasco na beira da piscina.  Para uns cento cinquenta convidados, quase todos amigos de Oscar e de Raja. “Parece que mamãe convidou toda a comunidade”, disse Rebeca, e emendou, ”Você viu o Rick ? Quando ele aparecer diz que meu pai quer apresentar um amigo a ele, tá ?”
Se tem uma coisa que me diverte é observar as pessoas em seu habitat natural, à vontade e sem reservas. Muito se pode aprender estudando seus  comportamentos. Percebi, por exemplo que num evento como aquele, à beira da piscina, as roupas são todas muito parecidas. Todas de excelente procedência, é claro. A diferenciação entre as sub-categorias de riqueza se dava pelos relógios e óculos escuros. Mais do que adereços esses objetos eram ferramentas para a demarcação do espaço social.
À esquerda tinha se formado o grupo do Rolex/YSL, do outro lado, o grupo Tag/RayBan e próximo ao trampolim estavam as mulheres, também conhecidas como o grupo Cartier/Gucci.
Peguei uma caipirinha de kiwi e fui me infiltrando. O grupo Rolex/YSL era liderado por Oscar e a conversa era sobre política e dinheiro, duas matérias em que vivo sendo reprovado: “ O Collor pode ter sido um filho da puta mas ele deu um empurrão na economia desse país”, dizia um homem careca e baixinho que me lembrava Nosferatu. “Você deve estar brincando, o que o FHC fez e está fazendo  é que vai transformar o Brasil.” Respondeu um outro que me lembrava o Conde Drácula. Como eu não gostava de conversa chata nem de filmes de terror, virei minha bebida e sai. Passei direto pelo grupo Tag/RayBan em direção ao bar mas pude perceber que falavam de carros. Esse grupo era formado por homens na faixa dos quarenta e cinco, cinqüenta anos, a maioria filhos ou genros daqueles outros. Mais cedo eu tinha dado uma saída para comprar pilhas para o discman e na volta, percebi que quase todos os carros que traziam os convidados eram do mesmo modelo. Comentei com Raja que me explicou que esse era um comportamento endêmico na comunidade. Já teve a época do Opala, do Santana, agora era a vez do Tempra.
No bar pedi uma coisa “mais forte” e o barman me ofereceu uma invenção dele: “ Se o doutor quiser experimentar.... Eu batizei de Miquitison em homenagem aquele lutador que não deixa ninguém de pé. É assim, doutor: leva uma parte de genebra, uma de Contreau”, suco de limão,...”
“Ah! Mike Tyson ! ...Capricha aí !.”
O troço era bom, levava alguma coisa que eu não estava conseguindo identificar, talvez angustura ou Fernet. E subia rápido. Exatamente o que eu precisava para enfrentar o papo do grupo Cartier/Gucci. Quando me aproximei percebi que quase todas usavam biquínis ou maiôs com detalhes em metais. “Detalhes” é modo de dizer porque eram fivelas, aros ou hastes, bem grandes. Eu tinha ido à praia uma semana antes de subir a serra e não tinha visto nada assim. Então, conclui, essas roupas eram a versão de vestir dos relógios e óculos. As mulheres se subdividiam em três grupos menores. O primeiro era o de jovens mamães, coisa facilmente percebível porque nenhuma delas tinha nenhuma criança por perto! Dali eu conseguia avistar o parquinho, onde uma trupe de babás cuidavam dos seus rebentos enquanto elas se lamentavam do “trabalho que os filhos dão”. Quando me aproximei do segundo grupo notei que elas falavam sobre filmes. Uma loura de uns quarenta anos, com os cabelos presos em um rabo de cavalo muito esticado, divagava  como o Dogma, com sua estética e simplicidade iria revolucionar para sempre, a indústria cinematográfica.
Eu já estava ficando meio bêbado e quase me meti na conversa. Para discordar, é claro. Nada como criar uma celeuma, um clima de embate, só para animar a tarde.
De repente, vi que Rebeca me acenava, do terceiro grupo. “Frank, o Rick ainda não apareceu ?”
“Não o vi. Estou indo acordar a Ruth mas antes vou dar uma procurada, por aí.”
 Realmente Ruth tinha me pedido para acordá-la no máximo, às duas. Nocauteei o Miquitison numa pancada só, mas ele era vingativo. Enquanto caminhava pela alameda que levava à casa principal, uma enorme borboleta amarela e laranja que dançava entre os arbustos me pareceu com uma labareda voadora. O troço era forte mesmo. De repente tudo ficou claro: era mesmo Fernet.

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