segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O HOMEM VELHO

Foto de Fernando Ramirex 



O homem velho não era um velho homem
com todas as implicações de experiência e sabedoria
que a antecipação do adjetivo delega.

Era velho, mas se esquecia.
E acordava criança
até que a primeira dor o despertasse para o mundo dos velhos.

O homem velho era vivido
mas inocente demais para perceber
que a velhice tem manchas e cheiros que incomodam.

À medida que o homem foi ficando velho o vigor foi minguando
os outros homens reparam nessas coisas
e ele não trabalhou mais.

O homem velho não tinha amigos.
Ele, caçula da turma, resistia,
ainda que sem convicção.

Um dia o homem velho reparou que seus filhos eram ocupados demais.
Nunca se esqueciam de uma camisa no aniversário ou no dia dos pais, 
mas não pediam mais um conselho ou mesmo um favor.

E que falta faz a esposa, amante e amada!
E se lembra dos seus últimos momentos
tão magra e fraca mas preocupada se ele tinha almoçado.

Depois  parou de trabalhar cortaram-lhe a metade do que ganhava, 
e já não podia viver sem ajuda.
E isso dói mais do que a perna quebrada em abril e que nunca sarou.

Mas acima de tudo era um homem.
E se cansou do pouco caso de Deus
e dos outros homens.

Já sonhara que saía de casa num domingo, 
dava bom dia pro padeiro
e jogava-se sob as rodas de um 472, cheio de praianos.

O trinta e oito, o genro levou pro sítio.
Remédios não! Tinha medo de falhar e do coma.
O Zé tinha tido um derrame e ficou um tempão dando trabalho.

Enquanto se tentava com essas coisas
esses planos anticatólicos, ela chegou.
Uma  leve pressão no braço, um formigamento na mão.

A falta de ar, a sede, os olhos turvos, o suor, o calor, o frio.
Não teve a vida passando em dez segundos, como num filme.
Não teve enterro de luxo, nem obituário no jornal.

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