terça-feira, 28 de agosto de 2012

EU NUNCA INSISTO






As pessoas podem simplesmente viver. Sem pensar no presente.
Ou no futuro. Mas não sem pensar no passado. Como uma sombra, ele nos acompanha. Uma sombra que desafia a escuridão. À noite, ele se agiganta e nos invade, quase sempre, apenas para mostrar onde erramos. Um parasita que nos suga as forças. Posso vê-lo repetindo enquanto se dobra ao rir “eu disse, eu disse”. Muitas vezes nem é o nosso próprio passado. São os dos outros. O de nossos pais, por exemplo, com toda uma série de mal entendidos, de omissões, de descasos, de mentiras. Ou de insistências e certezas.
Ah, sim ! Há também o mundo e sua história que nos aprisiona em sua trilha imprevisível. Mesmo a mais comum das pessoas, vivendo ordinariamente, num lugar e época sem grandes solavancos, não pode escapar ileso dessa engrenagem. Barquinhos à deriva, é o que somos, quase o tempo todo.
E se não estivéssemos já bastante complicados, há o desejo. O sexo, o sexo, o sexo, sempre ele. Patrão de nossos pensamentos, meta suprema. Utilizássemos uma pequena fração do tempo que usamos pensando em sexo, com outras coisas e não haveria mais pobreza no mundo ou doenças sem cura.
Ah, o sexo e suas variantes desastrosas: o pegajoso e escorregadio amor, ou então sua forma ultra concentrada, a paixão. O sexo é o poder absoluto, a força motriz que nos faz sair da cama todos os dias. Onde não há sexo, há cinismo.
Claro que tem gente que pensa que o sexo é apenas uma ferramenta para aumentar a chance de sobrevivência da espécie. Tolice. Talvez para os outros animais. Para nós, humanos, gerar descendentes serve apenas de desculpa. O sexo é o fim. É essa mesma gente que quando envelhece sofre por não compreender porque seus desejos não cessam enquanto o corpo se deteriora.
Não confio em quem relega a importância do sexo a um segundo plano. Uns dizem-se movidos pelo gosto em ganhar dinheiro. Outros, pela busca de conhecimento. Uns hipócritas, isso sim, que se masturbam nas madrugadas sobre seus extratos bancários ou sobre suas edições luxuosas de James Joyce, quando gostariam mesmo de estar num ménage.
Mas nada pior do que aqueles que se proclamam guiados pela fé. Esses, quando sinceros, o que é raro, são uns lunáticos que nem deveriam estar livres por aí. Meu vizinho de porta, por exemplo, vive repetindo que as provações pelas quais passamos são etapas do nosso crescimento espiritual. Outra bobagem. Cada provação é só um puta azar ou uma grandíssima sacanagem de alguém. Quando foi assaltado num sinal, e levaram o seu carro, contou que no centro kardecista que ele freqüenta, um médium recebeu uma mensagem do além: ele tinha sido escolhido para salvar a mulher que dirigia o carro que vinha atrás do dele.
“A coitada ia reagir e acabar morrendo baleada.”
 “Quer dizer que foram eles? Os espíritos é que te colocaram naquela roubada ?” (que beleza de frase, roubada no sentido literal e figurado, pena que ele nem percebeu) “Por que simplesmente não tiraram ela de lá? Ou assombraram os ladrões , buuu?”
Ele me respondeu com aquele ar piedoso, de quem compreende a minha pouca evolução ”Você não entende, Frank.”
Eu não insisti. Eu nunca insisto. Eu não acredito mesmo nessa lengalenga de vida após a morte. Eu mal acredito na vida após o nascimento.

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