quarta-feira, 25 de julho de 2012

TRÊS MESES DEPOIS DAQUELE ALMOÇO




      Antigamente era aquela doença, dito sempre baixando a voz num misto de vergonha e respeito. Ou apenas o problema. Muito depois é que virou a doença ruim.  Demorou mais ainda até que se aceitou chamá-la de tumor. Chocava mas ao mesmo tempo deixava uma esperança, pelo menos até que fosse respondida a pergunta: É benigno ou maligno, doutor? Por influência da escola americana, onde não se omite nada do paciente, finalmente virou câncer. Agora, a palavra da moda é lesão. Há médicos que preferem as denominações técnicas, cheias de sufixos e sobrenomes. 
   O de minha mãe era um carcinoma das vias biliares com expansão para o fígado. Inoperável desde que foi diagnosticado. Seu médico me explicou que nesse tipo de lesão a quimioterapia não tem efeito curativo, mas que poderia sim, ajudar a manter por mais tempo sua qualidade de vida. Como há muito tempo parei de me punir por qualquer de meus involuntários e sombrios pensamentos, deixei fluir silenciosamente: "Que qualidade de vida? Existe alguma em viver de casa para a igreja, da igreja para casa, pontuadas com pequenas incursões ao supermercado? “
Ele ainda perguntou: “O senhor tem alguma dúvida?” Quase devolvi a pergunta transmutada em  “O senhor tem alguma certeza?” Mas desde que meu avô, diabético, cardiopata e hipertenso, desenganado pelos médicos, durante anos, acabou morrendo num acidente de carro, depois de passar um dia inteiro num churrasco, comendo e bebendo à vontade, aprendi que, em geral, os médicos são como os mecânicos de automóveis: quando entendem de motor não sabem nada da parte elétrica e vice-versa. E portanto acabam sabendo bem mais das doenças do que das pessoas que tratam.
De qualquer forma ela se recusou a fazer a quimio, então quando a coisa obstruiu totalmente a saída da bile, o fígado infeccionou e em setenta e duas horas a infecção se generalizou e ela morreu. Três meses depois daquele almoço. 

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