domingo, 29 de julho de 2012

PAPELÃO E PAVOR

Las manos del mendigo
Oswaldo Guayasamín


De unhas longas
e a pele em crostas de fuligem e suor.
Cabelos impossíveis, os trajes encerados.
E os dentes ?
Meu Deus, aqueles dentes !

No recuado do prédio antigo
ainda há marquise,
construção do tempo em que a população de rua era casual.
Hoje, os resíduos, o cheiro de urina, a merda no jornal
alteraram a arquitetura,
e em nossas visões
aquilo que é belo e moderno.
Mas nem precisamos fingir que ele não está lá
simplesmente nos acostumamos
de tal forma e intensidade
que não o vemos mais.

Quando moleque,
havia um mendigo nas vizinhanças
que diziam, vinha de família rica
e saíra de casa por opção.
De vez em quando aparecia
de barba feita e roupas limpas
o que fazia da lenda,
verdade.

Como se fosse inevitável,
esse futuro de papelão e pavor
assombrou-me em pesadelos
por toda a infância.

Na esquina da padaria
refletido na vitrine
um homem no qual, um dia,
eu me transformaria.
Mesmo para um garoto
com sonhos pouco ortodoxos
essa anunciação era cruel demais.

Um dia, ele sumiu
e quase ao mesmo tempo,
sem cerimônia,
a vida começou a me mostrar
futuros mil vezes piores
e bem mais prováveis
de me alcançar.

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