terça-feira, 10 de julho de 2012

ÁGUA VIVA




Releio Clarice.
Especifico: releio Água Viva
O primeiro dela que pus as mãos e ainda aquele que mais me perturba. E olha que depois vieram: Perto Do Coração Selvagem, A Paixão Segundo G. H., A Descoberta Do Mundo. Todos maravilhosos, nenhum como essa pequena obra prima.

Água Viva é meu livro de (des)informação, de quebra de estrutura quando eu ainda nem conhecia direito (será que conheço agora?) o que era estrutura literária. 

Como não há uma narrativa definida, durante um tempo o utilizei como um oráculo, como um realejo. Abria em uma página qualquer e lá estava aquilo que ocuparia meu pensamento por todo o dia:


Mas a  palavra mais importante da língua tem uma única letra: é. É.
Estou no seu âmago.
Ainda estou.
Estou no centro vivo e mole.
Ainda.
Tremeluz e é elástico. Como o andar de uma negra pantera lustrosa que vi e que andava macio, lento e perigoso.



Há trechos que remetem às mais preciosas pérolas de horror psicológico:


O problema é que na janela do meu quarto há um defeito na cortina. Ela não corre e não se fecha portanto. Então a lua cheia entra toda e vem fosforescer de silêncios o quarto: é horrível.



Outros são tão pessoais que penso imaginá-la no instante em que escrevia:


Agora está amanhecendo e a aurora é de neblina branca nas areias da praia. Tudo é meu, então. Mal toco em alimentos, não quero me despertar para além do despertar do dia. vou crescendo com o dia que ao crescer me mata certa vaga esperança e me obriga a olhar cara a cara o duro sol.



Com esse livro aprendi principalmente que não há, necessariamente, linha divisória entre linguagens, aprendi que as linhas podem conter facilmente as entrelinhas e as entrelinhas podem conter todo o resto.




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