terça-feira, 30 de outubro de 2012

O REMORSO




Em 1976, Jorge Luis Borges (1899-1986),  já quase um octagenário lança o livro A Moeda De Ferro. O livro traz o poema O remorso (El remordimiento, no original).  Um poema que é uma declaração de sua infelicidade. Imediatamente aclamado pela crítica, nele vemos um Borges diferente daquele não baixava a guarda, aquele que certa vez disse "A cegueira é clausura, mas também libertação, solidão propícia ao  ato criador, uma chave, uma álgebra". 
El Remordimiento é um  acerto de contas com o passado, com a solidão, com a vida.

El remordimiento

He cometido el peor de los pecados 
Que un hombre puede cometer. No he sido 
Feliz. Que los glaciares del olvido 
Me arrastren y me pierdan, despiadados. 
Mis padres me engendraron para el juego 
Arriesgado y hermoso de la vida, 
Para la tierra, el agua, el aire, el fuego. 
Los defraudé. No fui feliz. Cumplida 
No fue su joven voluntad. Mi mente 
Se aplicó a las simétricas porfías 
Del arte, que entreteje naderías. 
Me legaron valor. No fui valiente. 
No me abandona. Siempre está a mi lado 
La sombra de haber sido un desdichado.





As três traduções que selecionei fazem interessantes escolhas. Todas bem distintas. Aqui Antônio Cícero justifica maravilhosamente o porquê de naderias ao invés da fácil ninharias. Coisa de quem sabe o que diz e pensa o que escreve.




O remorso

Cometi o pior desses pecados 
Que podem cometer-se. Não fui sendo 
Feliz. Que os glaciares do esquecimento 
Me arrastem e me percam, despiedados. 
Plos meus pais fui gerado para o jogo 
Arriscado e tão belo que é a vida, 
Para a terra e a água, o ar, o fogo. 
Defraudei-os. Não fui feliz. Cumprida 
Não foi sua vontade. A minha mente 
Aplicou-se às simétricas porfias 
Da arte, que entretece ninharias. 
Valentia eu herdei. Não fui valente. 
Não me abandona. Está sempre ao meu lado 
A sombra de ter sido um desgraçado. 

(tradução: Fernando Pinto do Amaral)





O remorso

Cometi o mais fatídico pecado
que um homem pode cometer. Não fui
feliz. Que o gelo que do olvido flui
me arraste e perca, desapiedado. 

Meus pais forjaram-me foi para o jogo
incerto, mas esplêndido, da vida
e para a terra, o ar, a água e o fogo.
Fraudei-os. Não fui feliz. Descumprida

ficou-lhes a vontade adolescente.
Ative-me às simétricas porfias
das artes, que entretecem ninharias.

Legaram-me valor. Não fui valente.
Não me abandona – sempre está a meu lado 
– a sombra de ter sido um desgraçado.

(tradução: Gil Pinheiro)


O remorso

Cometi o pior dos pecados
Que um homem pode cometer. Não fui
Feliz. Que os glaciares do esquecimento
Me arrastem e me percam, desapiedados.
Meus pais me engendraram para o jogo
Arriscado e formoso da vida,
Para a terra, a água, o ar, o fogo.
Defraudei-os. Não fui feliz. Cumprida
Não foi sua jovem vontade. Minha mente
Se aplicou às simétricas porfias 
Da arte, que entretece naderias. 
Legaram-me coragem. Não fui valente.
Não me abandona. Sempre está a meu lado
A sombra de ter sido um desgraçado.

(tradução: Antônio Cícero)






2 comentários:

  1. É um soneto? Por bela que seja a tradução, o Antonio Cícero não pode dessonetá-lo assim.
    Se não for, como o outro inventou de traduzir em soneto?

    Y si tu pusiera el eriginal también?

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    Respostas
    1. Não é um soneto pela forma nem pela métrica. O outro é que tomou a liberdade.

      E o original, meu caro, está antes das traduções!

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