quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A HISTÓRIA DO AMOR


Um romance repleto, complexo, completo. Assim é  "A História do Amor" da escritora americana Nicole Krauss. O li em 2006, logo após ser lançado e nunca pude esquecê-lo. Com uma  destreza ímpar e muita sensibilidade, Nicole entrelaça vidas aparentemente distantes no tempo e no espaço.
Um livro que a medida que fui chegando ao fim comecei inconscientemente a frear a leitura  para não "perder o contato" com aqueles personagens.

Uma amostra da beleza da prosa da moça (quando ela lançou o livro tinha apenas 31 anos):


De cor não é uma expressão que uso com desprendimento.
Meu coração é fraco e indigno de confiança. Minha partida será por causa do meu coração. Procuro sobrecarregá-lo o mínimo possível. Se alguma coisa vai representar um impacto, eu a desvio para outro lugar. Para o meu intestino, por exemplo, ou para os meus pulmões, que podem se deter por um instante mas nunca deixaram de dar mais uma respirada. Quando passo por um espelho e me surpreendo num relance, ou se estou no ponto de ônibus e alguns garotos surgem atrás de mim e dizem: Quem está com cheiro de merda?, essas pequenas humilhações cotidianas eu, de modo geral, assimilo no fígado. Outros estragos absorvo em outros lugares. O pâncreas eu guardo para ser atingido por tudo o que foi perdido. É verdade que são muitas coisas, e o órgão é muito pequeno. Porém. Você se surpreenderia de saber quanto ele é capaz de suportar, tudo o que sinto é uma dor aguda, momentânea, e depois acaba. Às vezes imagino minha própria autópsia. Desapontamento comigo mesmo: rim direito. Desapontamento dos outros comigo: rim esquerdo. Fracassos pessoais: kishkes. Não quero dar a impressão de que fiz disso uma ciência. Não é tão bem pensado. Assimilo a coisa onde ela aparece. Acontece que percebo certos padrões. O anoitecer, antes que eu esteja pronto, porque os relógios foram atrasados, sinto, por razões que não consigo explicar, nos meus pulsos. E, quando acordo e os dedos estão enrijecidos, eu quase certamente sonhava com a infância. O terreno onde costumávamos brincar, o terreno onde tudo se descobriu e onde tudo era possível. (Nós corríamos tanto que achávamos que íamos cuspir sangue: para mim, esse é o som da infância, respiração difícil e sapatos esmagando a terra dura.) Rigidez nos dedos é o sonho da infância como ele voltou no final da minha vida. Tenho de corrê-los sob água quente, com vapor embaçando o espelho, lá fora o arrulho de pombos. Ontem vi um homem chutando um cachorro, e a sensação se alojou atrás dos meus olhos. Não sei que nome dar a ele, ao lugar antes das lágrimas. A dor de esquecer: na espinha. A dor de lembrar: na espinha. Todas as vezes em que de repente eu me dava conta de que meus pais estavam mortos, e, ainda hoje, me surpreende que eu exista no mundo se os que me fizeram deixaram de existir: meus joelhos requerem meio tubo de Ben-Gay e uma grande produção só para se dobrarem. Para tudo, o seu tempo, para cada vez que acordei e cometi o erro de acreditar por um instante que alguém dormia a meu lado: uma hemorróida. Solidão: não há órgão que possa suportá-la inteira.


 Nicole Krauss na época do lançamento do livro


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