sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

AQUILO ERA A VIDA


1899
Doña Pepa e Dom Vicente Caruso chegaram à Argentina em 1899, num navio lotado. Na bagagem, esperança. Na Itália, deixaram a fome e a certeza de que em breve haveria guerra. Viajaram com seus quatro filhos, todos varões, mas em alguns meses Doña Pepa daria à luz a uma linda menina de cabelos muito escuros que seria batizada com o nome de sua avó materna, Ermínia.
Dom Vicente era um homem de modos absolutamente simples, que acreditava que viver era sinônimo de trabalhar. Na mesma hora em que desembarcou, descobriu que estavam contratando estivadores para descarregar o navio e assim, Doña Pepa seguiu com seus meninos, gravidez e baús até a casa dos tios que tinham imigrado nos anos anteriores. Como não conhecia a cidade e além disso o endereço que tinha estava incompleto, levou duas horas perambulando. O menorzinho, de apenas dois anos, começou sendo carregado pelos irmãos, mas ao final, nem eles podiam mais, e a mãe assumiu. Quando finalmente chegaram, se abraçaram e choraram de tanta dor e alegria, como se tivessem cruzado o próprio Atlântico a nado. Mas em poucos minutos já estavam desfazendo as malas, instalando-se no quarto onde morariam juntos pelos próximos anos.
No fim do dia, a volta triunfante de Dom Vicente. Cansado, mas vitorioso, trazendo como troféus salames, sacadura, tomates e duas garrafas de vinho. Ofertou aos tios que o haviam acolhido. Ficaram todos orgulhosos, ainda mais quando ele contou que lá no porto, disseram-lhe para voltar no dia seguinte. Trabalho.
A casa tinha oito quartos. E uma copa onde todos faziam as refeições. Também a cozinha e o banheiro eram compartilhados. Em cada quarto viviam famílias inteiras e, se eram todos parentes de alguma forma, também eram estranhos, a maioria nunca tinha se visto antes. As mulheres cozinhavam juntas, todavia cada uma cuidava da roupa e da arrumação dos seus quartos. Todas opinavam na educação das crianças e aplicavam castigos fossem em seus filhos ou não. A rígida moral católica aliada à ignorância daqueles imigrantes transformava os meninos em trabalhadores brutos mas cordatos antes dos seis anos e as meninas em esposas obedientes e mães devotadas tão logo menstruassem.
O reveillon de 1900 foi marcante para toda aquela legião de despatriados. Ele teve um sentido especial para aquela família. Pela primeira vez, em muito tempo, se sentiram com futuro. Deram uma festa na qual o filho mais velho ficou noivo de uma moça da vizinhança, filha de um açougueiro. Ermínia não chorou quando houve o foguetório. Seu pai se sentia particularmente realizado. Num determinado momento, tomou-a no colo, enfiou o dedo no vinho que bebia e passou nos lábios do bebê que fez uma incrível careta. Todos riram. Aquilo era a vida.


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