quarta-feira, 12 de setembro de 2012

PODE UMA FAGULHA INCENDIAR TODA A FLORESTA?


(Não é necessário mas talvez seja melhor ler este antes)



Pior do que esquecer é lembrar.
Há semanas não saio. Da última vez que fui à rua, fiquei por horas esperando um sinal fechar. Alguém percebeu e um guarda acabou vindo. Ligaram para minha mãe e meu pai soube que ela estava me ajudando escondida dele. Sofro também por eles, por tudo o que já passaram. Não mereciam mais essa tristeza em suas vidas tão pesadas.
Ah! Mas se ao menos pudesse ver diferentes pores-do-sol, as nuances de suas cores, que são como as digitais dos dias! E se de manhã pudesse acordar as crianças com beijocas, ou tocar o corpo de meu marido e vê-lo espreguiçar-se num misto de sonolência e excitação. Sim, é por isso que as pessoas se repetem! E aguentam, e se escondem na própria vida. Pelos instantes singulares que valem a monotonia dos demais. O filho que dá os primeiros passos, um elogio por um trabalho bem feito, o abraço naqueles que  encontramos depois de tanto tempo.
Há pouco, descobri que posso ler de novo, sem sofrimento. Não qualquer coisa, mas poesia, poemas curtos de duas páginas no máximo, sem finais arrebatadores, mas com as palavras certas, que não se importam se já as conhecemos. Tenho conseguido alento nas dores dos outros. Há poetas destemidos, que aprisionam seus piores tormentos em versos e os exibem à visitação pública.

                                      Tiger, tiger, burning bright
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
Could Frame thy fearful symmetry?

Willian Blake

Sinto o barulho dos automóveis diminuir, deve ser tarde. Estou exausta de tanta filosofia barata e desta luta perdida na sua própria origem.
Mas e essa mosca? Essa mosca nunca esteve aí! Será só um delírio? Não seria a primeira vez que me empolgo em vão. Melhor esperar. Ansiosamente esperar que o nascer do dia seja meu renascer.
A esperança embala mesmo os corações mais secos. Amanhã algo terá mudado ? Pode uma fagulha incendiar toda a floresta?
Pior do que esquecer é lembrar.


Trad. ( Tigre, Tigre !  Brilhante chama / Nas florestas da noite clama, / Que olho ou mão imortal poderia / Pintar-te a temível simetria ? )

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