sábado, 19 de janeiro de 2013

DEUS EX MACHINA




Ela faz parte daquele raro grupo de mulheres que não precisam ter medo da solidão. E não somente por sua beleza (quase intacta mesmo com os anos se somando). Ela tem aqueles atributos não identificáveis isoladamente mas que fazem com que os homens a queiram. E principalmente, que não sumam depois de conseguir o que queriam. Coisa de família. Sua mãe, já com sessenta e muitos, desde que separou do segundo marido, há mais de dez anos, nunca deixou de ter namorado (às vezes mais de um ao mesmo tempo).
Quando  o conheceu, há um ano e meio, apresentado por uma amiga comum, ela  não o achou particularmente bonito. Seu sorriso sim, era absolutamente encantador. Um homem que estava para entrar na faixa dos cinquenta e trazia na bagagem um casamento desfeito recentemente que havia deixado muita mágoa. Ela também vinha de um relacionamento desgastante então começaram devagar. Mas desde o início se deram bem. Ela era atenciosa e muito carinhosa. Ele mostrou-se um bom ouvinte e um amante dedicado.  Seu ponto alto foi quando, um dia, o ex dela apareceu criando confusão e ele resolveu o quiprocó com cavalheirismo.
Se viam pouco durante a semana mas começaram a passar todos os fins de semana juntos, alternando os apês, sempre muitos paparicos de parte a parte. Foi ele quem disse primeiro “Eu te amo”. A afinidade foi crescendo e a confiança se consolidando dia a dia.  É claro que ainda carregavam tristezas que de tempos em tempos se manifestavam em olhares perdidos,  pequenas ausências. Uma vez ela chorou sem motivo aparente e ele teve ciúmes, mesmo sem saber bem do quê. Em outra ocasião ele a chamou por uma apelido diferente que ela suspeitou era como ele se dirigia à ex-esposa. Deixou pra lá mas ficou o registro. Não eram crianças, sabiam que o outro tinha um passado e que teriam que conviver com isso que quisessem “dar certo”.

Para as amigas próximas ela disse que estava novamente feliz mas que jamais se casaria novamente, ou literalmente, “namorar é muito bom. Jamais estragarei isso colocando outro homem dentro de casa.”  Mas nunca falaram desse assunto diretamente. Não tinham urgência, aproveitavam a alegria de estarem conectados com alguém outra vez. A família dela o aprovou e os amigos dele a acolheram com entusiasmo.
No fim do ano ela o convidou para passar a noite de natal na casa de sua irmã. Ele ganhou uma bonita camisa e ela uma caixa de DVDs da sua série de TV favorita. Enfim tinham aquela vida sem sobressaltos que ambos  tantos desejaram quando estavam na pior.
Depois que se beijaram veio a surpresa: um anel jazia na mão dele. O  pedido de casamento veio em seguida.
Era um daqueles momentos cruciais, onde uma palavra ou mesmo uma expressão errada pode por tudo a perder, e ela sabia disso. Por que ele não podia deixar as coisas como estavam? Sim, se amavam e isso não era o suficiente? Tentava escutar seu coração mas só ouvia o medo, medo de dizer sim e tudo desandar, medo de dizer não e o perder. Um calafrio percorria-lhe a espinha. Ele, levemente emocionado pela situação e pelos dois prossecos a mais que bebeu para tomar coragem, esperava uma resposta. Ela precisava ser forte, deus ex machina por um segundo ou dois. Será que ele esquecera do desgaste que viver junto acarreta? Será que ele não lembrava mais do amor se esvaindo a cada pequena pendenga da casa. Ou por causa de dinheiro? Lembrou que suas relações anteriores também haviam começado com amor infinito e terminado às turras. “São todas assim. Ou se enterram na hipocrisia”, pensou. Sim, era isso mesmo. Com cuidado eles conversariam e tudo permaneceria igual. Ele entenderia, afinal a amava, afinal era amado, o que mais importava? Então ela segurou-lhe as mãos com firmeza, olhou-o nos olhos mas quando sua boca abriu ela disse simplesmente “sim”.


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