A menina, tão logo teve tamanho,
começou a estudar piano duas vezes por semana. Já no aniversário seguinte de
sua avó, tocou o tema da Lista de Schindler.
“-Essa menina é como o pai. Um prodígio, em tudo o que faz”,
disse vovô Oscar orgulhoso, causando ciúmes até em Rebeca.
Rick estimulava a filha, propondo
desafios e tratando-a como se tivesse dez anos a mais. Intuitivamente, ela
correspondia ao entusiasmo do pai com alegria, o que alimentava ainda mais em
Rick a certeza de que estava no caminho certo. A cada etapa superada ela era
premiada com pequenos direitos, como escolher o restaurante do fim de semana, e
até o destino da viagem de férias da família. A mãe da pequena nadadora,
pianista, bailarina, usuária de computador, estudante de várias línguas, não
aprovava tantas atividades. E menos ainda o caráter meritocrático da premiação
para uma criança que ainda nem tinha entrado para a escola. Mas ninguém lhe
dava ouvidos. Até Raja dizia que ela estava exagerando, “- Não tem nada demais,
filha. Errado seria não aproveitar o potencial que ela tem.”
Nem tudo dava certo. Um dia ele começou a alfabetizá-la. Mas
aos dois anos de idade ela não tinha o desenvolvimento necessário. Durante três
semanas ele tentou de tudo, desde as experiências bem sucedidas às técnicas de
vanguarda. Em vão. Em outra ocasião quis ensina-la a jogar xadrez. Desta vez
ela tinha a idade certa mas odiou o jogo a ponto de arremessar as peças pela
janela várias vezes. Ele queria saber o porquê da implicância para tentar
argumentar, só que quando Clara cismava... Nestas horas, Rebeca crescia na
argumentação, “-Estas atitudes são para reforçar sua individualidade. Ela está
gritando por espaço”. Porém ela também não compreendia certos rompantes, uma
sensibilidade à flor da pele, sem mais nem menos. Como aquela vez, quando
voltavam de viagem e uma borboleta se espatifou contra o pára-brisa do carro e
ficou grudada, as grandes asas azuis ampliando a minúscula tragédia.
“-Ela morreu ?”
Rick anteviu o drama e quis consertar,
“Sim filhinha, mas borboleta só vive mesmo alguns dias”.
Quando percebeu que dera a resposta
errada, era tarde demais.
“Por isso mesmo ela tinha que viver
mais” , e começou a tremer o lábio inferior, e logo o queixo. Já gemia quando a
primeira lágrima pingou no seu colo. Nos trinta e sete minutos seguintes,
chorou. Do pedágio até um pouco antes do carro entrar na garagem, quando pegou
no sono. Rebeca tentou acalmá-la cantando, propondo jogos, tirando da bolsa um
kit de brinquedos salvadores e até oferecendo chocolate (o que em outras
circunstâncias irritaria Rick). Nada surtiu efeito. Entre soluços, esboçava
“-Só vi-vi-vi-ve me-me-mes-mo al-al-alguns di-di-di-as, só vi-vi-vi-ve
me-me-mes-mo al-al-alguns di-di-di-as ”. Rick, sem saber o que pensar, acelerava
mais e mais a Pajero.
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