O homem velho não era um velho
homem
com todas as implicações de
experiência e sabedoria
que a antecipação do adjetivo
delega.
Era velho, mas se esquecia.
E acordava criança
até que a primeira dor o
despertasse para o mundo dos velhos.
O homem velho era vivido
mas inocente demais para perceber
que a velhice tem manchas e
cheiros que incomodam.
À medida que o homem foi ficando
velho o vigor foi minguando
os outros homens reparam nessas
coisas
e ele não trabalhou mais.
O homem velho não tinha amigos.
Ele, caçula da turma, resistia,
ainda que sem convicção.
Um dia o homem velho reparou que
seus filhos eram ocupados demais.
Nunca se esqueciam de uma camisa
no aniversário ou no dia dos pais,
mas não pediam mais um
conselho ou mesmo um favor.
E que falta faz a esposa, amante
e amada!
E se lembra dos seus últimos
momentos
tão magra e fraca mas preocupada se ele tinha almoçado.
Depois parou de
trabalhar cortaram-lhe a metade do que ganhava,
e já não podia viver sem ajuda.
E isso dói mais do que a perna
quebrada em abril e que nunca sarou.
Mas acima de tudo era um homem.
E se cansou do pouco caso de Deus
e dos outros homens.
Já sonhara que saía de casa num
domingo,
dava bom dia pro padeiro
e jogava-se sob as rodas de um 472, cheio de praianos.
O trinta e oito, o genro levou
pro sítio.
Remédios não! Tinha medo de
falhar e do coma.
O Zé tinha tido um derrame e
ficou um tempão dando trabalho.
Enquanto se tentava com essas
coisas
esses planos anticatólicos, ela
chegou.
Uma leve pressão no braço, um formigamento na mão.
A falta de ar, a sede, os olhos
turvos, o suor, o calor, o frio.
Não teve a vida passando em dez
segundos, como num filme.
Não teve enterro de luxo, nem
obituário no jornal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário