As pessoas podem simplesmente viver.
Sem pensar no presente.
Ou no futuro. Mas não sem pensar no
passado. Como uma sombra, ele nos acompanha. Uma sombra que desafia a
escuridão. À noite, ele se agiganta e nos invade, quase sempre, apenas para
mostrar onde erramos. Um parasita que nos suga as forças. Posso vê-lo repetindo
enquanto se dobra ao rir “eu disse, eu disse”. Muitas vezes nem é o nosso
próprio passado. São os dos outros. O de nossos pais, por exemplo, com toda uma
série de mal entendidos, de omissões, de descasos, de mentiras. Ou de
insistências e certezas.
Ah, sim ! Há também o mundo e sua
história que nos aprisiona em sua trilha imprevisível. Mesmo a mais comum das
pessoas, vivendo ordinariamente, num lugar e época sem grandes solavancos, não
pode escapar ileso dessa engrenagem. Barquinhos à deriva, é o que somos, quase
o tempo todo.
E se não estivéssemos já bastante
complicados, há o desejo. O sexo, o sexo, o sexo, sempre ele. Patrão de nossos
pensamentos, meta suprema. Utilizássemos uma pequena fração do tempo que usamos
pensando em sexo, com outras coisas e não haveria mais pobreza no mundo ou
doenças sem cura.
Ah, o sexo e suas variantes
desastrosas: o pegajoso e escorregadio amor, ou então sua forma ultra
concentrada, a paixão. O sexo é o poder absoluto, a força motriz que nos faz
sair da cama todos os dias. Onde não há sexo, há cinismo.
Claro que tem gente que pensa que o
sexo é apenas uma ferramenta para aumentar a chance de sobrevivência da
espécie. Tolice. Talvez para os outros animais. Para nós, humanos, gerar
descendentes serve apenas de desculpa. O sexo é o fim. É essa mesma gente que
quando envelhece sofre por não compreender porque seus desejos não cessam
enquanto o corpo se deteriora.
Não confio em quem relega a importância
do sexo a um segundo plano. Uns dizem-se movidos pelo gosto em ganhar dinheiro.
Outros, pela busca de conhecimento. Uns hipócritas, isso sim, que se masturbam
nas madrugadas sobre seus extratos bancários ou sobre suas edições luxuosas de
James Joyce, quando gostariam mesmo de estar num ménage.
Mas nada pior do que aqueles que se proclamam
guiados pela fé. Esses, quando sinceros, o que é raro, são uns lunáticos que
nem deveriam estar livres por aí. Meu vizinho de porta, por exemplo, vive
repetindo que as provações pelas quais passamos são etapas do nosso crescimento
espiritual. Outra bobagem. Cada provação é só um puta azar ou uma grandíssima sacanagem de alguém. Quando foi
assaltado num sinal, e levaram o seu carro, contou que no centro kardecista que
ele freqüenta, um médium recebeu uma mensagem do além: ele tinha sido escolhido
para salvar a mulher que dirigia o carro que vinha atrás do dele.
“A coitada ia reagir e acabar morrendo
baleada.”
“Quer dizer que foram eles? Os espíritos é que te colocaram
naquela roubada ?” (que beleza de frase, roubada
no sentido literal e figurado, pena que ele nem percebeu) “Por que simplesmente
não tiraram ela de lá? Ou assombraram os ladrões , buuu?”
Ele me respondeu com aquele ar piedoso,
de quem compreende a minha pouca evolução ”Você não entende, Frank.”
Eu não insisti. Eu nunca insisto. Eu
não acredito mesmo nessa lengalenga de vida após a morte. Eu mal acredito na
vida após o nascimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário