No dia seguinte houve um churrasco na
beira da piscina. Para uns cento cinquenta convidados, quase todos amigos de Oscar e de Raja. “Parece
que mamãe convidou toda a comunidade”, disse Rebeca, e emendou, ”Você viu o
Rick ? Quando ele aparecer diz que meu pai quer apresentar um amigo a ele, tá
?”
Se tem uma coisa que me diverte é
observar as pessoas em seu habitat natural, à vontade e sem reservas. Muito se
pode aprender estudando seus comportamentos. Percebi, por exemplo que
num evento como aquele, à beira da piscina, as roupas são todas muito
parecidas. Todas de excelente procedência, é claro. A diferenciação entre as
sub-categorias de riqueza se dava pelos relógios e óculos escuros. Mais do que
adereços esses objetos eram ferramentas para a demarcação do espaço social.
À esquerda tinha se formado o grupo do
Rolex/YSL, do outro lado, o grupo Tag/RayBan e próximo ao trampolim estavam as
mulheres, também conhecidas como o grupo Cartier/Gucci.
Peguei uma caipirinha de kiwi e fui me
infiltrando. O grupo Rolex/YSL era liderado por Oscar e a conversa era sobre
política e dinheiro, duas matérias em que vivo sendo reprovado: “ O Collor pode
ter sido um filho da puta mas ele deu um empurrão na economia desse país”,
dizia um homem careca e baixinho que me lembrava Nosferatu. “Você deve estar
brincando, o que o FHC fez e está fazendo
é que vai transformar o Brasil.” Respondeu um outro que me lembrava o
Conde Drácula. Como eu não gostava de conversa chata nem de filmes de terror,
virei minha bebida e sai. Passei direto pelo grupo Tag/RayBan em direção ao bar
mas pude perceber que falavam de carros. Esse grupo era formado por homens na
faixa dos quarenta e cinco, cinqüenta anos, a maioria filhos ou genros daqueles
outros. Mais cedo eu tinha dado uma saída para comprar pilhas para o discman e na volta, percebi que quase
todos os carros que traziam os convidados eram do mesmo modelo. Comentei com
Raja que me explicou que esse era um comportamento endêmico na comunidade. Já
teve a época do Opala, do Santana, agora era a vez do Tempra.
No bar pedi uma coisa “mais forte” e o
barman me ofereceu uma invenção dele: “ Se o doutor quiser experimentar.... Eu
batizei de Miquitison em homenagem
aquele lutador que não deixa ninguém de pé. É assim, doutor: leva uma parte de
genebra, uma de Contreau”, suco de limão,...”
“Ah! Mike Tyson ! ...Capricha aí !.”
O troço era bom, levava alguma coisa
que eu não estava conseguindo identificar, talvez angustura ou Fernet. E subia
rápido. Exatamente o que eu precisava para enfrentar o papo do grupo Cartier/Gucci.
Quando me aproximei percebi que quase todas usavam biquínis ou maiôs com
detalhes em metais. “Detalhes” é modo de dizer porque eram fivelas, aros ou
hastes, bem grandes. Eu tinha ido à praia uma semana antes de subir a serra e
não tinha visto nada assim. Então, conclui, essas roupas eram a versão de
vestir dos relógios e óculos. As mulheres se subdividiam em três grupos
menores. O primeiro era o de jovens mamães, coisa facilmente percebível porque
nenhuma delas tinha nenhuma criança por perto! Dali eu conseguia avistar o
parquinho, onde uma trupe de babás cuidavam dos seus rebentos enquanto elas se
lamentavam do “trabalho que os filhos dão”. Quando me aproximei do segundo
grupo notei que elas falavam sobre filmes. Uma loura de uns quarenta anos, com
os cabelos presos em um rabo de cavalo muito esticado, divagava como o Dogma, com sua estética e simplicidade iria revolucionar para
sempre, a indústria cinematográfica.
Eu já estava ficando meio bêbado e
quase me meti na conversa. Para discordar, é claro. Nada como criar uma
celeuma, um clima de embate, só para animar a tarde.
De repente, vi que Rebeca me acenava,
do terceiro grupo. “Frank, o Rick ainda não apareceu ?”
“Não o vi. Estou indo acordar a Ruth
mas antes vou dar uma procurada, por aí.”
Realmente Ruth tinha me pedido para acordá-la no máximo, às
duas. Nocauteei o Miquitison numa
pancada só, mas ele era vingativo. Enquanto caminhava pela alameda que levava à
casa principal, uma enorme borboleta amarela e laranja que dançava entre os
arbustos me pareceu com uma labareda voadora. O troço era forte mesmo. De
repente tudo ficou claro: era mesmo Fernet.
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