1983
Eu andava pelos sebos de livros,
examinava como os preços eram marcados para depois aumentá-los! Explico essa
lógica aparentemente absurda. Com preços mais altos a chance de serem vendidos
diminuia. E era uma operação simples. Cada loja tinha um jeito mas o padrão era
o mesmo. O da Rua São José marcava no alto da contracapa com lápis 6B. Já o da
Rua da Assembléia marcava na última página do miolo, embaixo e centralizado com
lápis 2B. Todas as manhãs eu percorria um circuito praticamente fixo: São José,
Assembléia, Primeiro de Março e Ouvidor. Em cada um deles eu lia um livro, de
pé, em frente as estantes, só algumas páginas por dia. O objetivo do pequeno
quase-estelionato era desestimular a venda por algum tempo, o suficiente para
conseguir terminar a leitura. E funcionava quase sempre. Quando dava sorte e
havia livros iguais em mais de um sebo a coisa toda andava mais rápido. Senão
eram quatro livros diferentes mesmo. Eu variava os estilos para não ficar
enfadonho. Algumas vezes era difícil fazer a combinação. A prosa complexa de
Faulkner, por exemplo, exigia escolhas mais amenas para complementá-la: um
romance policial básico, alguma antologia poética, uma coletânea de contos de
ficção científica.
Desde que Julio fechou a loja, um pouco
depois da morte de dona Ermínia, não consegui mais encontrar um emprego que
tivesse horários compatíveis com o da escola. Estava próximo de prestar
vestibular e além de ir às aulas, precisava de tempo para estudar.
Na faculdade, os horários ficaram ainda
piores. Comecei então a dar aulas particulares de inglês para não ter que
voltar a depender dos meus pais, quer dizer, da minha mãe, já que meu pai agora
gastava seu parco dinheiro adquirindo itens para sua recém-começada coleção de
bolachas de cerveja.
Minhas despesas eram baixas mas não
havia margem para excessos. Comprar livros? Só quando não havia outra escolha.
Com tantas palavras acumuladas, comprar LPs passou a ser minha prioridade
absoluta.
Mas os da 2B não eram caros. E sempre pediam negociação.
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