Rosângela bateu na porta antes de
entrar na sala: “Doutora Rebeca, o Danny já chegou para o atendimento. Peço
para ela esperar cinco minutos antes de fazê-lo entrar. Não que eu precise
repassar a ficha, como acontece com certos pacientes. Danny tem quinze anos e
vem duas vezes por semana, há um ano. Na escola recomendaram um acompanhamento
por causa da sua dispersão. É um menino como tantos outros. Problemático como
tantos outros. Cheio de espinhas na cara, bermudas larguíssimas deixando a
mostra a cueca, tênis enormes com cordões soltos. Viciado em jogos de
computador, pode passar dezoito horas seguidas jogando em lan houses sem se
ocupar do mundo exterior. A mãe veio aqui apenas na primeira vez. É
representante de uma grande importadora de vinhos e azeites. Muito ocupada,
como quase todas as mães. Quando entrou em seus sapatos de oitocentos dólares e
discurso repleto de “eu isso , eu aquilo”, vi logo que ela precisava mais de
terapia do que o filho. Mas isso não adiantava dizer. Então eu resolvi ajudar o
menino no que fosse possível. Quem o traz é o motorista. É ele que também traz
o cheque, todo final do mês. A mãe nunca ligou para saber como a terapia do
filho está evoluindo.
Ele gosta de estar aqui, de ter alguém
o escutando, duas horas inteiras por semana. Claro, há dias em que está
insuportável, se esquece e mente sobre assuntos que já repassamos mais de uma
vez. De uma forma geral, é apenas um menino carente. O pai vive viajando: São
Paulo, Zurich e Tel Aviv. É executivo de um banco suíço. Esteve preso por
vários meses, acusado de evasão de divisas num dos tantos escândalos políticos
desse país que não deram em nada. Mas isso não atingiu tanto o menino quanto a
vez em que, para separar uma briga entre ele e o irmão mais novo, o pai afundou
a cabeça dos dois na água do mar, em uma praia em Búzios. Ele tinha uns oito
anos e o irmão seis. Até hoje ele tem horror só de pensar em ir à praia.
Preciso de cinco minutos para me
concentrar. Ou para parar de me concentrar nos meus problemas.
Há quase um ano Clara não mora mais
conosco. Quando voltou do hospital, após a tentativa de suicídio, estava deprimida. Fomos nós mesmos que sugerimos que ela
passasse uma temporada na casa de meus pais. A idéia era afastá-la do local
onde tudo ocorreu e quiçá dos pensamentos sombrios. Foi com uma mochila mas no
fim de semana seguinte mandou o motorista buscar praticamente tudo o que tinha
no quarto. Ainda não sabemos porque ela fez o que fez. É como se ela nos
culpasse. Quase não a vemos. Perdeu o ano na escola. Não liga mais para o
computador, nem quer atender telefonemas das amigas de antes. Passa os dias
lendo e escutando música. Está amável com os empregados da casa. Quase todas as
noites, joga uma partida de xadrez com meu pai, depois do jantar. Ela não
suportava o jogo. Meu pai conta que o jogo dela é atirado, que tem um prazer
especial em dar o maior número de xeques por partida. Mesmo que não consiga
ganhar.
Em xeque estamos nós.
Eu e Rick também nos afastamos, aliás
ele se afastou de praticamente tudo. Vai ao escritório apenas uma ou duas vezes
por mês para assinar cheques e conversar com os colaboradores que,
praticamente, estão assumindo os negócios. O resto do tempo veleja, quase
sempre sozinho.
Minha mãe diz que nunca viu Clara tão
sossegada. Na sua opinião, isso indica que rapidamente ela vai superar tudo. Eu
sei que são os remédios que o psiquiatra receitou que a mantém desse jeito.
“-Boa tarde, Danny. Sente-se por
favor.”
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