Antigamente era aquela doença, dito sempre baixando a voz num misto de vergonha e
respeito. Ou apenas o problema. Muito
depois é que virou a doença ruim.
Demorou mais ainda até que se aceitou chamá-la de tumor. Chocava mas ao mesmo tempo deixava uma esperança, pelo menos
até que fosse respondida a pergunta: É benigno ou maligno, doutor? Por
influência da escola americana, onde não se omite nada do paciente, finalmente
virou câncer. Agora, a palavra da
moda é lesão. Há médicos que preferem
as denominações técnicas, cheias de sufixos e sobrenomes.
O de minha mãe era um
carcinoma das vias biliares com expansão para o fígado. Inoperável desde que
foi diagnosticado. Seu médico me explicou que nesse tipo de lesão a
quimioterapia não tem efeito curativo, mas que poderia sim, ajudar a manter por
mais tempo sua qualidade de vida. Como há muito tempo parei de me punir por
qualquer de meus involuntários e sombrios pensamentos, deixei fluir silenciosamente: "Que qualidade de vida? Existe alguma em viver de casa para a igreja, da igreja
para casa, pontuadas com pequenas incursões ao supermercado? “
Ele ainda perguntou: “O senhor tem
alguma dúvida?” Quase devolvi a pergunta transmutada em “O senhor tem alguma certeza?” Mas
desde que meu avô, diabético, cardiopata e hipertenso, desenganado pelos médicos,
durante anos, acabou morrendo num acidente de carro, depois de passar um dia
inteiro num churrasco, comendo e bebendo à vontade, aprendi que, em geral, os
médicos são como os mecânicos de automóveis: quando entendem de motor não sabem
nada da parte elétrica e vice-versa. E portanto acabam sabendo bem mais das
doenças do que das pessoas que tratam.
De qualquer forma ela se recusou a
fazer a quimio, então quando a coisa
obstruiu totalmente a saída da bile, o fígado infeccionou e em setenta e duas
horas a infecção se generalizou e ela morreu. Três meses depois daquele almoço.
Duro. Muito bom.
ResponderExcluir90% autobiográfico.
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