Os títulos dos livros de Philip Roth não
entregam tudo de uma vez. Eu gosto disso! Gosto de vislumbrar as camadas que
vão se descortinando a cada página, a cada capítulo, a cada leitura. Como ilusionista habilidoso que é, Roth faz o truque render, instiga a platéia
tentar adivinhar seus segredos.
Em O
Animal Agonizante (2006), logo de cara somos levados a pensar que o título
se refere ao personagem principal, o professor de História da Arte David Kepesh.
Sua paixão por uma mulher extremamente bonita e bem mais jovem, traz à sua vida,
outrora livre de compromissos e principalmente de imperativos emocionais,
dilemas que ele não podia imaginar e muito menos enfrentar. Porém, a medida que
a história se desenvolve, outras suspeitos aparecem, já que há a morte (sofrida)
do seu melhor amigo, e finalmente a terrível revelação de que a mulher tem uma
doença gravíssima.
Quase ao final das 127 páginas que compõe o
romance (sim, isso tudo se passa em apenas 127 páginas) percebemos que somos
nós, todos nós, de uma forma ou de outra, animais agonizantes. Independentemente
de nossa idade, saúde (ou falta dela), medos e até coragens!
Em Nêmesis
(2011), seu último romance, não é diferente. Vejamos o que a consulta ao Google
revela:
Nêmesis é uma palavra em latim que significa
uma fonte de dano ou ruína,
Um oponente que não pode ser batido ou ser
superado,
O que inflige retribuição ou vingança,
Um rival formidável e normalmente vitorioso,
Algo que uma pessoa não pode conquistar,
alcançar. Exemplo: o teste de desempenho provou ser meu nêmesis.
Na mitologia grega Nêmesis é a deusa da
justiça ou da vingança.
Bem, estamos em 1944, num subúrbio da pacata
Newark, a poliomielite ainda não tem cura e um surto dessa doença ameaça aquela
população mais do que a própria segunda guerra, a essa altura, perto do fim. Conhecemos
Eugene “Buck” Cantor, 23 anos, professor de educação física, atleta vigoroso,
rapaz de excelente caráter e de bom coração.
Percebemos que a tragédia se abaterá sobre
ele mas não sabemos ainda como. Buck vai ser colocado à prova mas por que
algoz? Indícios são dados e suprimidos. Seu rival ora é a pólio que atinge as
crianças da comunidade e ameaça seu vigor físico, ora é sua vergonha por ter
sido preterido no alistamento militar devido à uma severa miopia. Num certo
momento é o próprio Deus (ou pelo menos é isso que ele acredita).
Buck tenta fugir do seu destino retirando-se
para a idílica Indian Hill, uma colônia de férias, afastada da cidade e da
doença. Lá, faz amor com sua noiva, sobre cascas de bétula, como se fossem Adão
e Eva. Lá, Buck salta do trampolim como o Tarzan de Johnny Weissmuller. Os
mitos do paraíso na terra e do bom selvagem (principalmente e explicitamente o
do índio norte americano) são evocados para em seguida serem habilmente
destroçados pelo autor.
Página após página o pobre Buck vai permutando
as certezas de fazer o certo por dúvidas, dúvidas por culpa, até que finalmente
a culpa passa a ser sua nova certeza. Ele, que perdera a mãe no parto, mas que
até ali convivera com esse fato bastante bem, não pode mais conceber uma tragédia
sem culpado. E como o Deus que ele questiona não se encaixa no modelo pra
tanto mal, ele próprio se coloca disponível para sê-lo.
No todo é um romance envolvente, mas
confesso, ressenti que a transição para o final foi rápida demais (aliás, fato que observei também nos três outros volumes dessa tetralogia que trata de muitas coisas mas principalmente do enfrentamento da finitude).
Não pude deixar de notar como, em vários
momentos, Roth saboreia a expressão “pátio de recreio”, local onde ocorre o estopim
da trama. Exatamente como Charles Bukowski fez em vários de seus textos,
principalmente em Kid Foguete no
Matadouro onde temos:
“Saí,
atravessei a rua, entrei num bar mexicano, tomei cerveja, depois peguei o
ônibus. Tinha sido novamente derrotado pelo pátio de recreio das escolas
americanas”.
Cá entre nós? Essa daria uma bela epígrafe ao
Nêmesis de Roth.
Adorei a resenha e gostaria que você explicasse o tal do "pátio do recreio", como isso aparece no romance.
ResponderExcluirQuanto ao livro: ótimo romance, incrível como Roth vem se mantendo num pico de criatividade deslumbrante. O que me desagradou, aqui, nem foi a repentina transição para o final, mas o excesso de pistas que o narrador fornece acerca da iminência da tragédia que estava para se abater sobre o nosso herói.
Mesmo assim, é uma obra magistral.