1899
Doña Pepa e Dom Vicente Caruso chegaram
à Argentina em 1899, num navio lotado. Na bagagem, esperança. Na Itália, deixaram a fome e a certeza de que em breve haveria guerra. Viajaram com seus
quatro filhos, todos varões, mas em alguns meses Doña Pepa daria à luz a uma
linda menina de cabelos muito escuros que seria batizada com o nome de sua avó
materna, Ermínia.
Dom Vicente era um homem de modos
absolutamente simples, que acreditava que viver era sinônimo de trabalhar. Na
mesma hora em que desembarcou, descobriu que estavam contratando estivadores para
descarregar o navio e assim, Doña Pepa seguiu com seus meninos, gravidez e baús
até a casa dos tios que tinham imigrado nos anos anteriores. Como não conhecia
a cidade e além disso o endereço que tinha estava incompleto, levou duas horas
perambulando. O menorzinho, de apenas dois anos, começou sendo carregado pelos
irmãos, mas ao final, nem eles podiam mais, e a mãe assumiu. Quando finalmente
chegaram, se abraçaram e choraram de tanta dor e alegria, como se tivessem cruzado o próprio Atlântico a
nado. Mas em poucos minutos já estavam desfazendo as malas, instalando-se no
quarto onde morariam juntos pelos próximos anos.
No fim do dia, a volta triunfante de
Dom Vicente. Cansado, mas vitorioso, trazendo como troféus salames, sacadura,
tomates e duas garrafas de vinho. Ofertou aos tios que o haviam acolhido.
Ficaram todos orgulhosos, ainda mais quando ele contou que lá no porto,
disseram-lhe para voltar no dia seguinte. Trabalho.
A casa tinha oito quartos. E uma copa
onde todos faziam as refeições. Também a cozinha e o banheiro eram
compartilhados. Em cada quarto viviam famílias inteiras e, se eram todos
parentes de alguma forma, também eram estranhos, a maioria nunca tinha se visto
antes. As mulheres cozinhavam juntas, todavia cada uma cuidava da roupa e da arrumação
dos seus quartos. Todas opinavam na educação das crianças e aplicavam castigos
fossem em seus filhos ou não. A rígida moral católica aliada à ignorância
daqueles imigrantes transformava os meninos em trabalhadores brutos mas
cordatos antes dos seis anos e as meninas em esposas obedientes e mães
devotadas tão logo menstruassem.
O reveillon de 1900 foi marcante para
toda aquela legião de despatriados. Ele teve um sentido especial para aquela
família. Pela primeira vez, em muito tempo, se sentiram com futuro. Deram uma
festa na qual o filho mais velho ficou noivo de uma moça da vizinhança, filha
de um açougueiro. Ermínia não chorou quando houve o foguetório. Seu pai se
sentia particularmente realizado. Num determinado momento, tomou-a no colo,
enfiou o dedo no vinho que bebia e passou nos lábios do bebê que fez uma
incrível careta. Todos riram. Aquilo era a vida.
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