Há uns dois meses Philip Roth deu uma entrevista afirmando que não escreverá mais. Às vésperas de completar 80 anos, o autor de "O Animal Agonizante", "O Complexo de Portnoy", "A Marca Humana", "O Fantasma Sai de Cena", "Patrimônio", "Complô contra a América" dentre outros considera que sua obra literária está terminada. Seu último romance foi mesmo Nêmesis. Eterno candidato ao Nobel de literatura, Roth merece ser lido por muitos motivos mas principalmente pela contundência com que constrói e destrói sem perdão seus personagens.
Destaco o trecho a seguir, do romance "Pastoral Americana", publicado em 1997, considerado uma ferrenha crítica à América hipócrita e narcisista.
Combatemos nossa superficialidade, nossa falta de
profundidade, de modo a tentarmos nos aproximar dos outros livres de
expectativas irreais, sem uma sobrecarga de preconceitos, esperanças,
arrogâncias, da fora menos parecida com o avanço de um tanque, sem canhão, sem
metralhadoras e sem chapas de aço de quinze centímetros de espessura; a gente
se aproxima das pessoas da forma menos ameaçadora, de pés descalços, em vez de
vir rasgando o capim com as esteiras do trator, recebe o que elas dizem com a
mente aberta, como iguais, de homem para homem, dizíamos antigamente, e mesmo
assim a gente sempre acaba entendendo mal as pessoas. A gente também pode
possuir o cérebro de um tanque. Já estamos entendendo errado as pessoas antes
mesmo de encontrá-las, enquanto ainda estamos prevendo o que vai acontecer;
entendemos errado enquanto estamos diante delas; e depois vamos para casa e
contamos a alguém sobre o encontro, e de novo entendemos tudo errado. Uma vez
que a mesma coisa acontece com os outros em relação a nós, tudo vira uma ilusão
desnorteante, destituída de qualquer percepção, uma espantosa farsa de
incompreensões. E com tudo isso, o que é que vamos fazer a respeito dessa
questão profundamente significativa que são as outras pessoas, que se vêem
drenadas de toda a significação que julgamos ser a delas e adquirem, em vez
disso, um significado burlesco, o que vamos fazer se estamos tão mal equipados
para distinguir os movimentos interiores e os propósitos invisíveis uns dos outros?
Será que todo mundo devia trancar a porta de casa e ficar quieto, isolado, como
fazem os escritores solitários, em uma cela a prova de som. invocando as
pessoas por meio de palavras e depois sugerindo que essas pessoas feitas de
palavras estão mais próximas das coisas reais do que as pessoas reais que
deturpamos todos os dias com a nossa ignorância? Persiste o fato de que
entender direito as pessoas não é uma coisa própria da vida, nem um pouco,
Viver é entender as pessoas errado, entendê-las errado, errado e errado, para
depois reconsiderando tudo cuidadosamente, entender mais uma vez as pessoas
errado. É assim que sabemos que estamos vivos: estando errados. Talvez a melhor
coisa fosse esquecer se estamos certos ou errados a respeito das pessoas e
simplesmente ir vivendo do jeito que der. Mas se você é capaz de fazer isso...
bem, boa sorte.
OBRIGADO POR TUDO, PHILIP!
A obra é vasta, mas ainda assim lamento a notícia.
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