Ele se
lembra vagamente dos fatos: o fim do seu casamento, a mulher e os filhos o
deixando; a perda do emprego de escriturário. Nunca conseguiu precisar se o
exagero na bebida fora a causa ou a consequência.
A
primeira noite dormiu sentado num banco da rodoviária mas logo acabou preferindo as
marquises do Centro.
Por vezes,
amigos dos velhos tempos tentaram ajudá-lo mas ele estava zangado demais com o
mundo para resistir à tanta autopiedade destrutiva.
Em
certa ocasião um pastor conseguiu levá-lo para um abrigo: cama limpa, sopa
quente e orações edificantes. Mas ele não estava pronto para ser salvo.
Foram
mais de quinze anos arrastando carrinhos de supermercado repletos de tralhas
inúteis, revirando latas de lixo em busca de alguma coisa que prestasse,
implorando por cigarros fumados além da metade, bebendo as sobras quaisquer das
garrafas alheias.
Alguns
cães o acompanharam nessa jornada. Todos tiveram finais infelizes que o
martirizaram mais do que sua própria condição.
Numa
noite, dormindo sobre caixas de papelão, num ponto de ônibus da zona norte, foi
atacado por neonazistas. Chutado, surrado, espancado. Foram-se os poucos dentes que restavam; fraturas
do maxilar e de cinco costelas. No hospital virou notícia internacional e
acabou apadrinhado por uma ONG de direitos humanos. Quatro meses depois, quando
saiu, estava limpo e assim continuou. Hoje trabalha na própria ONG ajudando a
tirar das ruas, perdidos como ele mesmo já esteve.
Ninguém que o conheça agora
pode imaginar que esse apresentável senhor de meia idade já esteve do outro
lado.
Já se passaram dezoito anos.
Os hábitos ruins seriam apenas parte da sua
história se todos os
dias, seu olhar treinado na angústia e na necessidade não insistisse ao vasculhar a sarjeta atrás de uma moeda perdida ou de uma guimba de cigarro
pisada.
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